Evento realizado no Museu da Inconfidência contou com a presença da palestras e oficinas sobre a cultura afro-brasileira
A Central Única de Favelas (Cufa), organização atuante há mais de vinte anos nas periferias brasileiras, inaugurou um núcleo de atividades na cidade de Ouro Preto, no dia 26 de agosto. O evento de inauguração, intitulado “Empreender é Ressignificar”, foi realizado no anexo do Museu da Inconfidência.
A decisão de instalar o núcleo na cidade foi tomada pela liderança nacional da Cufa e representantes da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Ouro Preto. Em reunião realizada no início de agosto, foi firmada uma parceria entre a instituição e o governo da cidade para atuação em projetos socioculturais. Dentre as diretrizes divulgadas pela Cufa, está o impacto social positivo e o desenvolvimento do empreendedorismo na região. A Cufa ainda está em processo de ocupação de um espaço físico na cidade, e portanto, ainda não possui uma base de operações local.
Alexandre Almeida, coordenador da Cufa em Ouro Preto, explica que a cidade foi escolhida por ser patrimônio cultural da humanidade, além do potencial de desenvolvimento global das comunidades. “Onde tem periferias a gente acredita que pode somar e ser compreendido no âmbito político, social, e cultural. A gente acredita que as periferias conseguem movimentar economicamente a cidade.” Almeida completou dizendo que a Cufa procura desenvolver seus projetos desafiando noções tradicionais de carência das áreas periféricas. Para o representante, as comunidades exercem uma influência significativa na economia local, com grande potencial de produção e consumo.
Projetos e parcerias
A Central Única das Favelas (Cufa) é uma organização social fundada na década de 1990 no Brasil, com o objetivo de promover o desenvolvimento social e cultural das comunidades periféricas e favelas. A Cufa atua em diversas áreas, como educação, cultura, esporte, empreendedorismo e direitos humanos, buscando oferecer oportunidades e apoio para jovens e famílias em situação de vulnerabilidade. Segundo informações do site oficial da instituição, os projetos da instituição são voltados para a redução de desigualdades sociais por meio da inclusão, empreendedorismo e fortalecimento das comunidades periféricas.
Alexandre comenta que os projetos da Cufa em Ouro Preto nos próximos meses vão ser direcionados principalmente para a capacitação de jovens periféricos. “A gente tem um déficit de mão de obra e a gente quer trazer essa qualificação para que essas pessoas também tenham uma profissão e também se sintam capacitadas para ocupar seu espaço no mercado de trabalho”, explica o representante.
Para Alexandre, o motivo disso é mais profundo do que aparenta. Os jovens demonstram interesse e engajam em atividades para seu desenvolvimento, apenas não têm oportunidade o suficiente para isso. A preocupação dos institutos culturais, então, deve ser oferecer recursos para as populações periféricas.
O coordenador explica que a ideia é trazer para a cidade eventos da Cufa que já são realizados no estado, e até nacionalmente, como o Taça das Favelas, campeonato de futebol disputado entre comunidades periféricas de uma mesma região. A edição estadual do evento já está em andamento e tem sua final marcada para o dia 21 de setembro, na Arena Independência, em Belo Horizonte.
Outro projeto que a coordenação da Cufa pretende trazer para Ouro Preto é a Expo Favela Innovation. A exposição conta com oficinas e palestras que têm o intuito de conectar empreendedores periféricos a investidores de todo Brasil. A edição estadual aconteceu no último dia 13 de setembro, em Belo Horizonte.
Desafios de projetos culturais em Ouro Preto
O desenvolvimento de iniciativas culturais que visam impacto e inclusão social se mostram urgentes na cidade de Ouro Preto. Dados do Cadastro Único (CadÚnico) revelam que 8.687 famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família na cidade. São mais de 20 mil pessoas que utilizam do benefício, o que representa quase 27% de uma população de 75 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE.
As diretrizes do Bolsa Família indicam que, para o ingresso no programa, as famílias devem ter uma renda mensal de até R$218 por pessoa. Levando isso em consideração, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social em Ouro Preto é muito expressivo. Isso porque o Instituto Brasileiro de Economia define como situação de pobreza as famílias com renda mensal de até R$664,02 por pessoa, enquanto a extrema pobreza abrange famílias com renda mensal que recebem R$209 por pessoa.
Kedison Guimarães, diretor de Igualdade Racial de Ouro Preto, reforçou a necessidade de mais projetos culturais, que ajam como agentes de transformação social para a população periférica. Isso porque, segundo dados do IBGE, quase 70% da população da cidade é negra.
Guimarães também explica que o racismo velado e mascarado impede que políticas públicas de igualdade social ganhem continuidade. O diretor completou dizendo que a sua secretaria pretende garantir recursos para a realização de projetos como a Cufa.
A perspectiva da Cufa para a comunidade de Ouro Preto
A coordenação da Cufa prometeu o desenvolvimento de projetos voltados diretamente para a cidade de Ouro Preto ainda no final de 2024 e início de 2025. Joana Darc de Lima, moradora do bairro Nossa Senhora do Carmo, expressou grandes expectativas com a inauguração do núcleo de operações na cidade histórica. Ela acredita que a Cufa pode proporcionar novas oportunidades para “jovens, para crianças, para mães, chefes de família, que muitas vezes cuidam do seus filhos sozinhas, acho que vai ser muito importante”, destacou Joana, que já participou de projetos culturais anteriormente.
Juliano Passos, morador do bairro Padre Faria, foi outro nativo de Ouro Preto que participou do evento de inauguração da Cufa. O microempreendedor vê a chegada da Central Única das Favelas como uma oportunidade de crescimento para a comunidade local, especialmente para as áreas periféricas. Juliano também comentou sobre o potencial de projetos sociais e culturais na vida profissional de empreendedores. Para ele, organizações como a Cufa podem oferecer mais do que apenas apoio técnico, mas uma nova perspectiva para os que vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “A chegada da CUFA expande a visão e oferece esperança às pessoas, mostrando que a condição em que estão hoje não define o restante de suas vidas.”
Passos também destacou que acredita que muitos pequenos empresários possuem talento, mas carecem de orientação e oportunidades. Ele expressou sua visão sobre a situação das periferias na cidade atualmente. “Como nativo de Ouro Preto, observei que houve uma evolução significativa na inclusão das pessoas das áreas periféricas, em comparação com décadas passadas. A Cufa está no caminho certo, especialmente com o apoio das autoridades públicas, como a Secretaria de Desenvolvimento Social e a Prefeitura Municipal.”
A chegada da instituição através da inauguração do novo núcleo gerou expectativas em alguns moradores da cidade de Ouro Preto. Entretanto, é necessário avaliar se a Cufa terá recursos o suficiente para desempenhar todos os projetos planejados a longo prazo.
As atividades de incentivo cultural podem impactar positivamente o desenvolvimento socioeconômico das periferias. No texto “Movimento cultural das periferias: cultura e práticas políticas”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a pesquisadora Sílvia Raimundo explica como projetos culturais da periferia podem oferecer recursos e alternativas para moradores das comunidades. Com esse tipo de investimento, é possível abranger as possibilidades e oportunidades para os jovens periféricos bancarem suas vidas ou procurarem uma formação na área de interesse.
Davi Perez, professor do curso de Serviço Social da UFOP, enxerga Ouro Preto como um campo fértil para o desenvolvimento dessas expressões artísticas e culturais. Segundo ele, a cidade contribui para a construção de uma identidade nacional através de sua cultura viva. “Ouro Preto é o próprio chão onde todos esses processos culturais acontecem. A cidade possui uma cultura pulsante que resgata a memória histórica e afirma uma identidade local e nacional”, afirmou Perez.
Ele destacou ainda o papel da cultura na transformação de jovens, oferecendo alternativas ao crime e promovendo o desenvolvimento pessoal e profissional. Para Perez, a colaboração entre Cufa, universidade e outras instituições é essencial para ampliar o impacto das ações, fortalecer o desenvolvimento social e garantir a continuidade de projetos sociais e culturais na cidade de Ouro Preto.
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