A exposição "Cárcere e Arte: Expressões de Liberdade" revela o potencial da arte como ferramenta de transformação e reintegração social, desafiando preconceitos e destacando a sensibilidade dos artistas por meio de suas obras
Ouro Preto sedia, pela primeira vez, a exposição "Cárcere e Arte: Expressões de Liberdade", que acontece na Biblioteca Pública Municipal com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura. A mostra é fruto de uma interseção entre o sistema prisional e a expressão artística. Todas as criações foram realizadas pelo Núcleo de Arte do Colégio Estadual Mário Quintana, que tem funcionamento dentro da Penitenciária Lemos de Brito, situado no Complexo de Gericinó, no Rio de Janeiro, um dos maiores complexos penitenciários do Brasil.
Rennan Bentolila, curador da mostra e professor de Artes na penitenciária desde 2022, conta que esteve em Ouro Preto em outubro do ano passado e pôde apresentar a Margareth Monteiro, Secretária de Cultura, algumas das obras de seus alunos. Após o encontro, surgiu o convite para realizar uma mostra na cidade. Rennan conta que, a partir desse convite chegou à conclusão de que seus alunos precisavam ter uma identificação. “Vamos montar uma identidade para a gente. E aí foi onde surgiu a ideia do núcleo.”, nos contou.
Guilherme Mendonça, ex-detento que está em liberdade há um ano, é um dos artistas a expor nesta mostra que vai do dia 16 de setembro até 15 de novembro Ele acompanhou de perto a inauguração da exposição e afirmou: “Eu tive o privilégio de estar lá e fazer dedicatórias, assinar livros e ser reconhecido. As pessoas te olham assim e veem, será que ele estava preso mesmo?”.
João Carlos, funcionário da Biblioteca, diz que inicialmente não acreditava que as obras haviam sido feitas por pessoas detidas, após ver todas as obras chegou a conclusão que: “A prisão física não é nada quando a mente se encontra livre e criadora.” Estando ausentes por ainda estarem reclusos, alguns artistas enviaram recados para que os visitantes pudessem conhecer seus pensamentos, mesmo que distantes: “Através do colégio me reencontrei com a arte”, escreveu Luis Felipe Ribeiro em um cartão que está em exposição.
Uma das obras de Luís Felipe, a “Vista da Igreja do Carmo”, retrata uma paisagem comum aos cidadãos e visitantes da cidade de Ouro Preto, mas que ele só conhecia pelos livros e revistas mostradas por Rennan durante as aulas de arte. Mesmo sem sair do cárcere, Luís representou a cidade que agora acolhe a exposição de arte.
Além da presença dos artistas por meio dos recados, a obra “As vozes do silêncio” apresenta máscaras feitas a partir do molde dos rostos de alguns detentos ausentes. As máscaras, algumas com uma representação mais simples e outras mais subjetivas e reflexivas, retratam, por meio de suas pinturas, a forma como desejam ser vistos pelos visitantes da exposição, além de expressar os sentimentos de cada um dos detentos que não puderam participar por ainda estarem privados de liberdade.
Weverton Ucelli da Silva, conhecido como WU, está em liberdade há um ano e três meses. Durante seu tempo na escola, ele compôs músicas e assistiu às aulas de arte. Com a repercussão da mostra, WU celebrou: “Que bom que agora estamos nas notícias, e não é nas páginas policiais.” Desde que saiu da prisão, o artista enfrentou inúmeros desafios para reconstruir sua vida, o que era agravado pelo racismo que afeta principalmente os negros, maioria da população encarcerada no Brasil.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, 69,1% das pessoas presas no país são negras, uma realidade que torna a reintegração ainda mais difícil para ex-detentos como WU. Renan Bentolila ressalta que a cidade de Ouro preto abraça facilmente causas de pessoas que não tem tanta voz como é o caso de detentos, ex -detentos e pessoas pretas, por exemplo. A história de Ouro Preto está ligada diretamente à negritude, e essa percepção também deu aos alunos, referência para suas obras.
Anita Alvarenga, Diretora do Colégio Estadual Mário Quintana, ressaltou as dificuldades em cumprir as datas da exposição. Ela desabafa: "Para respeitar o prazo, precisei usar meus próprios recursos para garantir que tudo fosse entregue no tempo certo." Além disso, ela ainda destaca o desafio de manter os materiais necessários dentro da penitenciária, já que são caros e o orçamento da escola é limitado. Assumir a direção da escola foi uma decisão difícil para ela. Consciente dos obstáculos do sistema prisional, sabia que enfrentaria grandes desafios. No entanto, ao ver vidas transformadas pela arte, a diretora encontra motivação e renova sua fé no poder da educação e no impacto do projeto.
A exposição "Cárcere e Arte", vai além de um evento cultural, pois provoca reflexões profundas sobre preconceito e transformação, além de chamar a atenção para o sistema prisional brasileiro. Mariana Sena, 22, estudante do direito da UFOP e visitante da mostra, declarou que: "Mesmo quando a pessoa se considera de mente aberta, existe um certo preconceito quando falamos de uma exposição feita por detentos e ex-detentos. Quando visitei e vi as obras, esse preconceito foi completamente quebrado."
A realidade das prisões brasileiras é marcada por superlotação e más condições de vida, reforçando a crença de que estes espaços são apenas depósitos de delinquentes e que muito pouco ou quase nada pode ser feito para oferecer educação ou lazer aos detentos. Contudo, como Henrique Silva, ex-detento e agora estudante de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro afirma: "A prisão não tem só gente ruim e pessoas sem almas, tem pessoas sensíveis também." Henrique teve sua vida salva pela arte literária e, assim como outros ex- alunos, expressa sua eterna gratidão à escola.
A arte não apenas expressa beleza, mas também serve como um veículo de libertação e reconstrução pessoal para aqueles que vivem em condições adversas. Essa exposição revela a sensibilidade e a profundidade dessas pessoas, mostrando que, como disse a estudante Mariana Sena: "A arte foi capaz de ser uma saída, um refúgio e até um recomeço, uma segunda vida para essas pessoas que estão numa situação tão difícil."
Crucial matérias como essas para mostrar uma perspectiva apagada e inviabilizada pela sociedade, a ressocialização é extremamente necessária e precisa ser divulgada. Parabéns Beatriz Costa e Francielle Paula pela sensibilidade e maestria ao tratar do assunto
Que especial!!!! Ressocialização também implica em reivindicar esses espaços para esses indivíduos. Assim, tendo um espaço para contar suas histórias e humanizar o processo do cárcere! Amei!