Duplicação Da Br-356 Impacta Moradores De Passagem De Mariana
- Julia Zago e Juliana Siqueira
- 13 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de jun.
Ouça a notícia na íntegra:
O Projeto de Duplicação da BR-356 inclui a desapropriação de imóveis na Vila São Vicente, localizada às margens da rodovia, no distrito de Passagem.

Desde o final do ano passado, quando o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, anunciou a duplicação da BR-356 com recursos oriundos da repactuação do acordo sobre o rompimento da barragem de Fundão, as organizações sociais e associações comunitárias têm se reunido em audiências públicas para discutir o desenvolvimento do projeto e como reduzir seus impactos para a população da cidade.
No dia 29 de maio, a Associação de Passagem de Mariana, a Associação do Bairro Chácara e o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) realizaram mais uma reunião para discutir as implicações que a duplicação da BR-356 desencadeará para os moradores dessas comunidades. O objetivo não é apenas levantar informações, mas também conscientizar os moradores sobre o que vem ocorrendo.
Raquel Aparecida da Cruz, representante da Comissão da Vila São Vicente, explica que uma das ações realizadas é a busca pelas outras comunidades e associações de outras cidades para entender como elas estão sendo informadas sobre essa duplicação. “Você não faz uma obra dessa em grande porte sem fazer uma consulta minuciosa e sem que todas as pessoas tenham ciência da gravidade do que está acontecendo”, afirmou Raquel.
Com a destinação orçamentária para duplicação já realizada, a obra agora aguarda, para o próximo dia 10 de julho, a realização da licitação que definirá a empresa responsável pela intervenção na rodovia. Segundo o site da Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (SEINFRA), o resultado da duplicação da BR deve garantir melhorias para o trajeto da via, oferecendo mais segurança, com acostamentos e melhorias urbanas, além da redução do tempo de viagem.
O relatório da Unidade de Parceria Público-Privada (PPP) do Estado de Minas Gerais, publicado em 28 de março, indica que o contrato prevê que a empresa que for licitada deve criar e executar um programa para cuidar das desapropriações e indenizações, com todas as ações necessárias para garantir a execução das obras. Também consta que, em relação às construções que estiverem na faixa de domínio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), no caso de desapropriação da área, deverão ser previstas possibilidades de compensações relativas por meio de indenizações e/ou reassentamento, a oferta de aluguel social, compra assistida e construção de unidades habitacionais, além de outras medidas de amparo.
A desapropriação dos imóveis já é tratada como uma certeza pelo DNIT. A Lei nº 6.766/1979, diz que os terrenos localizados em até 15 metros da margem da rodovia são pertencentes ao governo federal, colocando assim, os moradores da região como supostos invasores. Em 2018, a população da Vila recebeu suas primeiras notas de despejo quando iniciaram as fiscalizações no entorno da rodovia, realizadas pelo DNIT.
Walassy dos Santos, membro da Comissão da Vila São Vicente, informa que muitas pessoas da comunidade não fazem intervenções em suas casas desde 2018. “Os que tiveram a informação em 2018 sobre a desapropriação, não colocou mais nenhum tijolo na casa, não fez nenhum reparo mais, nenhuma melhoria, com receio de no futuro não estar aqui mais”, relatou Walassy.

A possível desapropriação de moradias tem sido o principal foco das discussões, gerando preocupação e mobilização entre os envolvidos. O terreno em Passagem foi cedido à comunidade Vila São Vicente, em 1980, pelo prefeito João Ramos. A Vila foi construída em um terreno de desapropriação, doado pelo poder público, mas que só teve a sua regularização a partir de minuta ou escritura concedida no primeiro mandato de Celso Cota, em 2008.

A área abriga não apenas moradias, mas também carrega um forte simbolismo de resistência e união para a comunidade. "A gente veio de uma luta. Você já sai de uma estrutura de despejo, de não saber para onde ir. É amparado, chega aqui você cria vínculos, tem pessoas que vão contar para você sobre as festas que a gente sempre fazia, e você vai criando uma história”, resume Raquel Aparecida da Cruz.
“Quando eu vim para aqui, só tinha os postes. As casas não eram rebocadas. Então eles fizeram a pavimentação, a rua, a igreja… Aqui nós fizemos a primeira quadrilha. Então, tem história, né? Hoje eu tenho muitos afilhados aqui. E são três décadas, tem família, tem filhos, né? E os vizinhos. Então, a gente tem que ver sobre isso”, acrescenta Paulo Ramos, de 60 anos, que mora na Vila São Vicente há mais de 30 anos.
Esses laços, que perpassam décadas, desenvolveram nos moradores da Vila São Vicente um forte vínculo com a região em que eles estão, o que torna mais difícil ainda a ideia de sair daquele espaço que suas famílias construíram. Mas, mesmo assim, essas pessoas não são contrárias à duplicação da rodovia. O que se questiona é a falta de informações precisas por parte do DNIT e SEINFRA sobre o que realmente deve acontecer com os moradores quando as obras iniciarem.
“O número de carretas na BR é muito grande. Então, se duplica, eu consigo colocar mais carretas, mas o trânsito flui melhor, né? Então quem tem a ganhar é as mineradoras. Aí vem aquele discurso: ‘Mas o dinheiro da repactuação não seria em prol da população?’ Eles vão usar esse dinheiro para fazer uma duplicação ou contribuir com um percentual da duplicação, com o qual quem vai ser beneficiado é a mineradora. Então, não tô vendo onde esse dinheiro é para realocar ou para melhorar a região em si”, complementa Walassy Dos Santos.
A obra da duplicação da BR-356 é viabilizada por recursos da reparação pelo rompimento da Barragem do Fundão e recebe, para sua execução, R$2 bilhões vindos da Repactuação de Mariana e como parte do novo acordo. Firmado entre o Governo de Minas Gerais e as mineradoras responsáveis pelo desastre-crime de 2015, este acordo prevê medidas reparadoras com utilização de recursos destinados para indenizações e ações de aprimoramento para as cidades, comunidades e pessoas atingidas pelo desastre-crime.
“Essa obra ela vem confirmar para mim que, o tempo todo, nós somos usados. Que nós estamos nessa pauta até hoje para validar essas grandes obras para que todo dinheiro seja justificado em prol dos atingidos, né? A gente valida, mas não pode sair, não pode ter a vida de volta, porque senão a farra acaba.Essa obra, pra vida dos atingidos, de verdade, não repara em nada os danos sofridos”, afirma Marino D'Angelo Júnior, um das pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão e representante da Zona Rural na Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).
EXIGÊNCIAS E EXPECTATIVAS DAS ASSOCIAÇÕES
Até o momento, a obra de duplicação da BR-356 não conta com um projeto definitivo, mas apenas com o traçado preliminar que indica por onde a rodovia deve passar. A definição do projeto será estabelecida somente após a conclusão da licitação e a escolha da empresa responsável pela obra. A partir daí, será possível saber quais moradores serão desapropriados.

Atualmente, a Comissão da Vila São Vicente, em conjunto com as Associações da Chácara, Passagem e o MAB, tem se mobilizado para que a remoção dos moradores de seus imóveis não seja tratada como única alternativa. Os moradores confiam que a Comissão consiga levar o ofício produzido na última reunião, do dia 29 de maio, para as autoridades. A expectativa é de que sejam avaliadas com atenção as exigências sobre o projeto de traçado e estejam abertas a construir um caminho que respeite tanto o desenvolvimento urbano quanto o direito à moradia da população de Passagem.
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