Segundo pesquisa divulgada pelo Sebrae, 94% dos proprietários de brechós em Minas Gerais são mulheres. Em Mariana, essa tendência se confirma, com o protagonismo feminino impulsionando o setor.
O mercado de brechós está em plena ascensão em Minas Gerais, com destaque para o empreendedorismo feminino. Segundo uma pesquisa inédita do Sebrae, a cada dez proprietários de brechós no estado, nove são mulheres. Esse protagonismo é evidente também em Mariana, onde muitas mulheres encontram no setor uma oportunidade de gerar renda e conquistar autonomia financeira.
Embora a moda circular e o consumo consciente influenciam alguns consumidores, o principal fator que impulsiona esse crescimento é a busca por preços acessíveis. A pesquisa aponta que 73% dos clientes pertencem ao perfil "Econômico", composto por pessoas que priorizam roupas mais baratas. Em contrapartida, apenas 31% dos consumidores são classificados como "Sustentáveis e Conscientes", aqueles que escolhem brechós motivados por preocupações ambientais e práticas de consumo mais responsáveis.
A passarela cíclica de uma moda consciente e autêntica
Apesar dos dados indicarem que o consumo consciente ainda não seja a principal motivação para muitos consumidores, o crescimento dos brechós indica que a moda circular está, mesmo que indiretamente, ganhando espaço. Baseada na economia circular, a moda circular busca manter os recursos em uso pelo maior tempo possível. Esse conceito, que se consolidou entre as décadas de 1970 e 1980, como aponta a Fundação Ellen MacArthur, contrapõe-se ao modelo linear de "extrair, produzir, consumir e descartar". No setor da moda, a adesão a essa ideia ganhou força nos anos 2000, quando começou um aumento de críticas à fast fashion - lançamento de coleções frequentemente, com ciclos curtos de produção e consumo, muitas vezes alinhadas às últimas tendências de moda - e seus impactos ambientais.
Os benefícios da economia circular, entretanto, vão além da sustentabilidade ambiental. Ela também desempenha um papel crucial na retenção de renda dentro das comunidades. Como destaca o professor Leonardo Leite, do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o problema do vazamento de renda é uma constante em cidades de médio e pequeno porte: "O problema da economia capitalista em cidades pequenas em geral ou em cidades-médias, é que há um vazamento de renda, ou seja, a renda que circula na cidade vaza para os grandes centros.” Nesse cenário, brechós e pequenos comércios locais são fundamentais para manter a renda circulando na comunidade e fortalecer a economia local. Ao consumir nestes estabelecimentos, os moradores de Mariana ajudam a reter o dinheiro na região, reforçando a moda consciente como parte de um movimento econômico mais amplo. Como explica o professor Leonardo:
"A ideia de economia circular é desenvolver negócios locais de modo que a renda fique na comunidade, gerando um efeito multiplicador. Atividades como os brechós locais ajudam a fomentar essa circulação interna e evitar que a renda vá para fora." - Leonardo Leite, professor na UFF
Para ilustrar como é a dinâmica de um brechó, o diagrama abaixo descreve o ciclo de vida de uma peça nesse modelo de negócios. As peças “novas” são adquiridas pelo brechó por compra ou troca com consumidores e/ou fornecedores. Após avaliação, elas são expostas e, ao serem vendidas ou trocadas, geram capital para o brechó, que reinveste na aquisição de novas peças, perpetuando o ciclo:
Além do impacto econômico, os brechós se tornaram um símbolo de autenticidade e originalidade. Para consumidores locais como o auxiliar de relacionamento, Matheus Januário, os brechós não são apenas uma alternativa econômica, mas também um espaço de descoberta e expressão pessoal:
"Uma das coisas que mais gosto nos brechós é a possibilidade de encontrar peças únicas, relíquias que não são mais fabricadas. Isso me dá a oportunidade de me vestir de forma distinta, diferente do que as grandes lojas oferecem." - Matheus Januário, consumidor local
Mãos femininas tecem a história dos brechós em Mariana
O crescimento dos brechós e o protagonismo feminino também se fazem presentes na primaz de Minas, principalmente pós-pandemia. Regina Trindade, proprietária do Brechó Nosso Armário há mais de cinco anos, reflete sobre essa mudança: "Com a pandemia, muita gente foi obrigada a procurar o brechó. Acho que o mercado tende a crescer." Esse movimento foi impulsionado pela necessidade econômica e pelo acesso facilitado a essa forma de empreendimento.
Marciele Delduque, fundadora da rede Mariana Mulheres que Inspiram, que reúne empreendedoras de Mariana e região, estima que houve um aumento de 15% a 20% no número de brechós na cidade, baseado nas 1600 mulheres que fazem parte do grupo. Segundo ela, o modelo de negócios é atraente pela sua acessibilidade: "Os brechós são uma frente de empreendimento muito mais acessível. É possível começar com o que você tem, sem um grande investimento inicial".
Para muitas mulheres, abrir um brechó é uma porta de entrada para o empreendedorismo, oferecendo a chance de transformar uma necessidade em oportunidade. Um exemplo disso é a história de Gilmara, que abriu o Brechó Customizer, no bairro Rosário há dez anos, começando com um sistema de consignação — uma prática onde as peças são vendidas sem que a dona do brechó precise comprá-las antecipadamente:
"Comecei com um varal na garagem, chamando amigas para trazer peças e fui desenvolvendo o brechó com peças consignadas, sem precisar comprar. O objetivo é girar o que já existe." - Gilmara Bruna, Brechó Customizer
Além disso, o ambiente digital tem sido crucial para a expansão desse setor. De acordo com a pesquisa do Sebrae, 57% dos brechós operam tanto lojas físicas quanto online, o que mostra uma tendência crescente de vendas híbridas. A própria Gilmara destaca: "As redes sociais são muito importantes para o brechó. Muitas das minhas vendas são feitas pelo WhatsApp ou Instagram".
Outro desdobramento desse movimento feminino em Mariana é a Feira de Brechós, criada há três anos para apoiar mães que buscam por um empoderamento econômico. Alessandra da Silva, dona do Brechó da Coruja e uma das organizadoras da feira, explica:
"Normalmente, são mães solteiras que não podem alugar uma loja. A gente se organiza, vai até a prefeitura e pede autorização para usar espaços públicos." - Alessandra Silva, Brechó da Coruja
No entanto, atualmente, devido ao período eleitoral, as liberações para o uso de espaços públicos estão suspensas. Com isso, as participantes da feira precisam alugar espaços privados, arcando com os custos. "A nossa última feira deste ano será no dia 28 de setembro, na associação do Barro Preto. É um espaço privado, e a gente paga um valor. Vamos esperar até passar esse processo de eleição", completa Alessandra.
Desafios e estigmas a serem quebrados
Apesar do crescimento dos brechós em Mariana e do papel crucial que desempenham no empreendedorismo feminino e na economia local, ainda existem preconceitos e desafios a serem superados. Um dos maiores obstáculos enfrentados pelos donos de brechós é a visão equivocada que muitas pessoas têm em relação à venda de roupas usadas. Regina Trindade, proprietária do Brechó Nosso Armário, observa: "Infelizmente, ainda existe preconceito. Algumas pessoas chegam e desistem da compra ao perceberem que é um brechó." Essa percepção se agrava com a confusão recorrente entre brechós e bazares. "Muita gente confunde brechó com bazar. O bazar é beneficente, já o brechó é um negócio, é sobrevivência", completa Regina.
Outro ponto de insatisfação vem dos consumidores, que têm percebido um aumento significativo nos preços das peças. Matheus Januário, expressa sua frustração: "Minha experiência comprando em brechós em Mariana não é das melhores. Muitas vezes, os preços são altos, comparáveis aos de peças novas. Além disso, há pouca variedade. Prefiro comprar peças básicas novas em lojas tradicionais do que pagar o mesmo valor em um brechó." Vitória Nogueira, cozinheira, estudante de Serviço de Social e também frequentadora de brechós, concorda:
"A experiência de comprar em brechó tem mudado. Hoje em dia, o público é muito específico, e as peças estão cada vez mais caras. Isso acaba excluindo uma boa parte da população de Mariana” - Vitória Nogueira, consumidora local
Entidades públicas e privadas têm um papel essencial na construção de uma consciência coletiva sobre consumo responsável. Vitória observa que o consumo consciente, proposta inicial dos brechós, tem se transformado em uma estratégia de marketing, perdendo o compromisso com a sustentabilidade. Por outro lado, Matheus Januário destaca o potencial da cidade de se tornar um exemplo de economia circular, com os brechós desempenhando um papel central. Para isso, sugere medidas: "Seria interessante se houvesse eventos de economia consciente voltados para o setor de brechós, assim como temos feiras de tecnologia e agronegócio. Isso poderia ajudar a fomentar o consumo sustentável e diminuir o impacto ambiental causado pela produção em massa."
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