Com mais de 10 mil Microempreendedores Individuais (MEIs) ao todo nas duas cidades, equilibrar o crescimento econômico com a dependência da mineração e a sazonalidade do turismo se torna um desafio para esse grupo
Minas Gerais, terceiro maior estado em população no Brasil, se destaca pelo número crescente de empreendedores. De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), de 20,54 milhões (2022) de mineiros, cerca de 1,75 milhão atuam como microempreendedor individual (MEI), representando 77,87% dos novos negócios abertos no estado em 2023 e superando a abertura de microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP). Esse dado é relevante não apenas pela magnitude, mas pelo impacto na economia local, especialmente em cidades históricas como Ouro Preto e Mariana, que juntas registram mais de 10 mil MEIs. Ouro Preto contabiliza cerca de 6 mil, enquanto Mariana conta com 4,1 mil registrados.
Em setembro, o Centro de Artes e Convenções da UFOP, em Ouro Preto, recebeu a 2ª Semana de Desenvolvimento Econômico (SDE). A atividade, promovida pela Agência de Desenvolvimento Econômico e Social dos Inconfidentes e Alto Paraopeba (ADESIAP), que atua no setor de gerenciamento de projetos, contou com oficinas, palestras e uma feira de negócios, com intuito de capacitar empreendedores locais.
Aristides Araújo, analista técnico do Sebrae de Minas Gerais, que palestrou durante o evento, reforçou a importância de fortalecer esse segmento: “O Sebrae oferece cursos, consultorias e oficinas tanto para quem já tem negócios quanto para quem deseja iniciar um. Nosso papel é garantir que essas iniciativas tenham suporte, principalmente na estruturação e organização financeira.”
O Sebrae é uma entidade privada sem fins lucrativos que oferece suporte aos empreendedores por meio de consultorias, oficinas e cursos. Uma de suas funções é oferecer recursos e auxílios aos MEIs, que, por definição, são empreendedores com faturamento anual de até R$ 81 mil, cerca de R$6.750 mensais. Embora Ouro Preto não tenha uma unidade física da instituição, ela mantém parcerias com a Associação Comercial e a Prefeitura, que oferecem suporte aos empreendedores locais através da Sala Mineira do Empreendedor, que é uma iniciativa voltada para otimizar e descomplicar o cenário empresarial, promovendo a criação de novos negócios no Estado, disponibilizando orientações para a formalização de MEIs e apoio à regularização.
Os dados do Sebrae também apontam que, entre janeiro e agosto de 2024, o número de MEIs apresentou um crescimento constante em todo o estado de Minas Gerais, apesar de oscilações significativas no saldo de empreendimentos. Entre os meses de julho e agosto deste ano, por exemplo, houve um crescimento modesto de 0,48%, atingindo a marca de 1,75 milhão de microempreendedores.
No entanto, se observarmos a outra métrica usada, o saldo, que mede a diferença entre aberturas e fechamentos da categoria, veremos que nos primeiros meses do ano houve picos de crescimento, especialmente em janeiro e fevereiro, quando o saldo aumentou 101% e 358%, respectivamente. Contudo, a partir de março, as variações no saldo diminuíram, com quedas mais acentuadas a partir de junho, quando o saldo caiu para 42%.
Desafios de novos negócios diante do turismo e a mineração
O setor de serviços é o mais expressivo nas duas cidades, representando a maior parte da atuação dos MEIs. Em Ouro Preto ele concentra 2.952 microempreendedores, seguido por 1.345 no comércio e 1.050 na indústria. Entre as atividades que mais cresceram na região estão cabeleireiros, manicure e pedicure, totalizando 436 MEIs, que representam um crescimento em agosto de 0,69% em relação a julho. Ou seja, cerca de quatro novos microempreendimentos foram formalizados nesse período.
Além disso, os empreendimentos de alimentação também ganharam força, com destaque para lanchonetes e casas de chá, que tiveram um aumento de 1,07% no número de MEIs. Esse crescimento está alinhado ao perfil turístico das duas cidades, que recebem um grande número de visitantes, gerando procura por serviços de alimentação e hospedagem.
Apesar de ambas terem a prestação de serviços como importante atividade econômica, vale ressaltar que Ouro Preto e Mariana operam, economicamente, de formas distintas. As principais fontes de renda das duas cidades não são as mesmas.
Ouro Preto arrecada muito dinheiro através do turismo em razão de seus patrimônios históricos e sua arquitetura colonial. Um exemplo disso é o crescimento da ocupação hoteleira na cidade. De acordo com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Ouro Preto registrou um aumento de 80% desse segmento em abril de 2023, em comparação ao mesmo mês em 2022. Dados da prefeitura relatam que, durante esse período, a cidade recebeu cerca de 500 mil visitantes. Lorrayne Andrade, fundadora da marca "Lolo Nagô", que trabalha com tranças e estética afro na cidade, acredita que os negócios podem impulsionar ainda mais essa atividade econômica, à medida que os visitantes buscam experiências autênticas e diversificadas. Isso reflete um esforço, por parte dos empreendedores, para ampliar a matriz econômica local, aproveitando a crescente demanda por formas de empreendedorismo mais sustentáveis.
Já a cidade de Mariana tem boa parte de sua economia baseada na mineração. Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), a cidade foi a terceira em Minas Gerais que mais recebeu royalties desse setor em maio de 2024. Nesse caso, Royalties são taxas específicas que empresas devem pagar ao governo para o uso autorizado e exploração de recursos naturais da região. Os dados apontam que R$19.906.524,45 foram pagos ao governo local. Esse valor reflete a dependência do município desse mercado.
Entre a comunidade jovem e universitária, há algumas pessoas que acreditam que a presença dominante dessas mineradoras é um empecilho para o fomento do empreendedorismo local. Matheus Souza e Gabriel Moreira, representantes da Enactus UFOP, afirmam que a “dependência da mineração nas cidades mineiras acabam enfraquecendo o desenvolvimento de outros empreendimentos que possam se tornar alternativas à exploração mineral.” A Enactus (Sigla em inglês de “Empreendedorismo”, “Ação” e “Nós”) é uma organização internacional, sem fins lucrativos, que visa o desenvolvimento de projetos de incentivo ao empreendedorismo sustentável por parte de universitários. Os jovens representantes da organização na região defendem que os negócios locais devem ser estimulados por associações e microempreendedores.
A perspectiva de que as grandes empresas de mineração concentram uma parte considerável dos empreendimentos locais é compartilhada por outras organizações da região. Ana Cristina Mol, presidente da Associação Comercial e Agropecuária de Mariana (ACIAM) relata a crescente dificuldade de concorrer com grandes empresas, como a VALE e a Samarco, que oferecem salários e benefícios mais atraentes. Ana conta que, apesar desses obstáculos, a ACIAM tem buscado parcerias para fortalecer os negócios locais, intermediando capacitações e treinamentos, além de promover a inserção de empresários em programas de desenvolvimento de fornecedores das mineradoras.
Conflitos entre os MEIs e o setor público
Apesar do número crescente de negócios inaugurados em Ouro Preto e Mariana, muitos empreendedores ainda encontram desafios significativos para a manutenção de seus negócios. A falta de investimento financeiro e de políticas públicas voltadas para os microempreendedores se tornam empecilhos para o empreendedorismo na região. Erika Oliveira, dona da Ericachos, em Ouro Preto, acredita que a maior dificuldade enfrentada pela categoria é a falta de organização financeira e estrutura de funcionamento. "Quem é MEI começa do zero, na raça. Eles [Sebrae] poderiam ajudar com essa organização da empresa", explica Erika, destacando a necessidade de mais suporte financeiro e administrativo.
Outro fator que corrobora para as dificuldades de estabelecer negócios viáveis são as discordâncias entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e os empreendedores da região. Enquanto muitos MEIs acreditam que os órgãos públicos não realizam uma comunicação efetiva e um apoio eficiente. Esses mesmos órgãos alegam que não há uma procura em grande escala por parte dos empreendedores.
Mariana Vilar, formada em História pela UFOP, resolveu começar a empreender para se reinventar após a pandemia, e principalmente para poder cuidar da filha em casa. Ao ser questionada sobre o suporte e o apoio do setor público da cidade de Mariana, ela afirmou que as informações são difíceis de serem encontradas e que, normalmente, os investimentos são inacessíveis. “Eu já procurei a questão de, por exemplo, para quando tem algum evento colocar uma barraquinha, só que é muito inviável, é muito caro o valor que eles cobram para o aluguel das barracas. [...] Se eu quisesse abrir uma loja física, eu acho que seria mais difícil, porque eu venho de outra cidade e lá eu acho que é muito mais barato. Se eu quisesse alugar um ponto do que aqui [Mariana] é muito inviável”, afirmou.
Uma das participantes da 2ª Semana de Desenvolvimento Econômico, Maria Mariano, artesã e membro integrante da Rede Integrada de Micro e Pequenos Afroempreendedores de Ouro Preto (RIMPA), também falou sobre o apoio limitado aos empreendedores locais: "Apoio aqui de graça assim, não tem não. A gente tem que batalhar muito, correr atrás, pedir, implorar. Mas aos poucos vamos conseguindo", afirma a artista, ressaltando a importância de um espaço adequado para a comercialização de seus produtos.
Para Maria, a falta de espaço para comercialização dos produtos e também de visibilidade é outro grande obstáculo. "O que eu sonho mesmo é que o poder público aqui de Ouro Preto visse-nos com bons olhos e reconhecesse a gente. Se a gente tivesse um lugar próprio, seria melhor para vender nossos artesanatos", relata.
Em Mariana, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Rangel Alan da Silva, ressalta que a instituição oferece recursos informativos fundamentais para a recepção dos Microempreendedores Individuais (MEIs) na cidade. “Hoje temos a Sala Mineira, uma estrutura de atendimento ao MEI que funciona dentro da Secretaria e auxilia na parte burocrática que muitos não compreendem”, destaca. Ele também menciona que a secretaria está concorrendo ao Selo Sebrae de Referência em Atendimento, uma iniciativa dessa instituição em parceria com o Governo Federal. Esse selo reconhece a qualidade dos serviços prestados pelas Salas do Empreendedor e seus parceiros e foi criado para nacionalizar melhorias significativas na gestão e na qualidade do acolhimento ao cliente.
Ana Mol também apontou alguns desafios enfrentados pelos empresários marianenses. Ela destacou a falta de segurança, com o aumento de furtos ao comércio, a falta de mão de obra qualificada e o aumento dos aluguéis devido à alta demanda das mineradoras e da Fundação Renova. "Os aluguéis subiram bastante devido aos valores pagos pelas empresas que vieram de fora", afirmou Mol.
O futuro do empreendedorismo na região
Lorrayne Andrade traz uma outra perspectiva sobre o cenário empreendedor regional. Para ela, ser uma mulher negra empreendedora em uma cidade historicamente marcada pelo colonialismo é um desafio. Ela acredita que "o empreendedorismo na cidade é majoritariamente negro, mas nós, pessoas pretas, não estamos nos espaços de destaque. Não estamos no centro histórico, nos casarões, ou em parceria com as grandes empresas.”
A microempreendedora se refere à gentrificação, processo em que a cidade segrega socioeconomicamente a população desses dois centros urbanos. No caso de Ouro Preto, esse fenômeno pode ser muito bem observado na ausência de pequenos empreendimentos no centro histórico da cidade, uma vez que a economia é baseada no turismo e, por isso, os preços dos aluguéis são menos acessíveis aos moradores do município.
Apesar das dificuldades, Lorrayne vê mudanças positivas nos últimos anos, com maior valorização da cultura negra e um crescente apoio a iniciativas afrocentradas. "Hoje a gente vê festivais e eventos valorizando a cultura negra, e isso está começando a mudar a narrativa da cidade. As pessoas estão percebendo o valor das nossas manifestações culturais".
Além disso, há muito o que melhorar no que diz respeito à interação entre o setor privado e o poder público. Ana Mol, presidente da ACIAM, conta que é necessário mediar demandas dos empresários junto à prefeitura, especialmente no que tange à segurança e à criação de oportunidades para os negócios locais. Porém, de acordo com ela, essas ações estão sujeitas à “instabilidade política que complica bastante as ações conjuntas, e muitas vezes não têm continuidade." Na prática, isso significa que as frequentes trocas de prefeitos, por litígios na justiça, e consequentes mudanças de prioridades do governo municipal dificultam a implementação de políticas estáveis e eficazes para o desenvolvimento de novas oportunidades de negócios.
コメント