“Tudo é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos”. Com sentimento semelhante ao que o escritor mineiro Guimarães Rosa expressa no início do conto O Espelho, a equipe do Lampião mais uma vez foi às ruas desvendar os mistérios que rondam as cidades da Região dos Inconfidentes.
O crescente cenário de desinformação que tem ganhado espaço no debate público mostra que este “ir às ruas”, mais que um dever de ofício, é um dos meios de conquistar novamente o espaço que o jornalismo profissional vem perdendo com o surgimento de outras formas de informar. O desafio é traduzir o que o repórter encontra neste corpo a corpo da apuração para as linguagens utilizadas pelos cidadãos, que são dinâmicas e estão em constante transformação. Ciente deste desafio, nossa equipe de repórteres, editores, diretores e professores se dedicou na produção de notícias hiperlocais, voltadas para a divulgação nas plataformas, durante a 44ª edição do Lampião.
A principal novidade da edição se encontra exatamente aí: a partir da reformulação da estrutura curricular do curso de jornalismo, rompemos com o formato antigo do jornal e substituímos os textos longos e mais atemporais por notícias baseadas na factualidade. Buscamos manter o mesmo rigor da apuração e a preocupação com a diversidade de fontes, mas nos voltando para os acontecimentos que interferem diretamente no dia a dia dos nossos leitores e que, por isso, têm pressa de serem noticiados.
Por sermos um jornal-laboratório, temos consciência das nossas limitações e sabemos que ainda não conseguimos noticiar esses acontecimentos com a mesma factualidade que outros veículos de imprensa, especialmente os de publicação diária. Por isso, mais do que o acontecimento em si, tentamos aprofundar naquilo que ele muda na rotina da cidade, sem ultrapassar os limites que separam a notícia da grande reportagem.
Além da reformulação gráfica e criação de nova identidade visual, a partir dessa edição, nossos conteúdos também estão divididos em seções temáticas: Urbe, Ecos e Lume. Essa divisão não se apresenta como uma busca de limitar os acontecimentos dentro de cada um desses campos, mas reflete, sobretudo, o olhar com que os nossos repórteres se debruçaram sobre eles durante o trabalho de apuração definindo a angulação e abordagem das produções.
Ainda como novidade proposta pela nova matriz curricular, ampliamos a nossa conexão com a comunidade, cientes de que a simples produção da notícia não é suficiente para alçarmos a nossa missão como jornalistas. É imperativo que os conteúdos produzidos dentro da universidade alcancem efetivamente as cidadãs e os cidadãos de Mariana, Ouro Preto e Itabirito, cidades que cobrimos na Região dos Inconfidentes.
Desta forma, tornamos público nosso objetivo de até o ano de 2028 passarmos a ser uma referência regional na produção de um jornalismo noticioso, hiperlocal e que seja capaz de promover conexão contínua e significativa com a cidade. Para atingir este objetivo, neste período letivo iniciamos também a nossa jornada extensionista, construindo parte significativa das pautas em conjunto com a comunidade.
Como os impactos do rompimento da barragem de Fundão permanecem como ferida aberta em nosso meio, o início desses trabalhos de extensão não poderia acontecer com outro grupo senão o daqueles que ainda sofrem na pele as dores do crime socioambiental cometido pelas mineradoras Vale, Samarco e BHP. As notícias em que problematizamos o modelo de mineração praticado na Região dos Inconfidentes, mesmo que isso não tenha ficado explícito em seu texto, foram construídas a partir do diálogo com membros da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), que se dispuseram a ser interlocutores desse relação entre repórteres e atingidos, redação e território.
Embora reformulado, os desafios encontrados durante a nossa prática jornalística não se distanciaram dos que as equipes anteriores do Lampião, e os próprios jornalistas já formados, encontram no exercício da profissão em cidades do interior do país. A dificuldade para acessar fontes oficiais, a desconfiança com a figura do repórter e, principalmente, a tarefa de conciliar uma boa apuração com a factualidade das notícias tiveram que ser vencidas para que a notícia pudesse chegar até nossos leitores. A esses desafios, somou-se ainda o de produzir um jornal-laboratório em meio às eleições municipais, quando os ânimos da sociedade ficam aflorados e o trabalho do jornalista deve ser desempenhado com ainda mais cuidado que em outros tempos.
Há ainda o desafio de comunicar para diferentes grupos, de diferentes realidades e diferentes pontos de vista. Um dos fatores que foram essenciais para vencer essas dificuldades foi a diversidade encontrada em nossa redação. Mais de trinta pessoas das mais diversas raças, credos, gêneros e sexualidades dialogando com uma sociedade também diversa. Graças a esta redação plural conseguimos produzir notícias que alcançassem cada um desses grupos, lançando luz sobre suas particularidades historicamente apagadas pela narrativa dominante.
Pensando na diversidade, cabe louvar a presença marcante de mulheres nos cargos de editoria e diretoria e, pela primeira vez, a de pessoas transexuais, que além das competências em suas áreas técnicas também contribuíram de forma ativa na mudança do olhar sobre temas sensíveis a esses grupos invisibilizados na sociedade. Ressaltar esta pluralidade de nossa redação não é fazer uma autopromoção, mas comemorar as mudanças que ocorreram no perfil dos egressos das universidades públicas nos últimos anos.
Apenas comemorar esses avanços não é suficiente, pois a parcela conservadora da sociedade tem forçado mudanças nas políticas públicas nos últimos tempos. Por isso, é necessário nos mantermos atentos e politizados para barrar esses retrocessos e lutar por novas conquistas, como a cota para pessoas trans na universidade. Afinal, o dever do jornalismo não é apenas informar, mas também contribuir para a formação cidadã de seus leitores e para a mudança da realidade social. E o Lampião é um jornal que não se furta dos seus deveres.
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