O termo “jornalismo infantojuvenil” é quase que auto explicativo, mas é interessante que nós tenhamos em mente que essa é uma vertente do jornalismo voltado para o público mais jovem, com foco em temas direcionados às crianças e adolescentes, de modo a comunicar os acontecimentos cotidianos de maneira mais atraente e acessível a eles. Quando digo “nós”, me refiro a mim e a você, todos os seres humanos, que são ou um dia foram uma criança.
O impacto do jornalismo infantojuvenil
O jornalismo voltado para crianças e adolescentes possui características importantes para o desenvolvimento individual e social. Vale destacar que o consumo de produções jornalísticas pode ser realizado de diferentes maneiras, seja assistindo à televisão, escutando o rádio ou um podcast, lendo um jornal impresso ou online. Ou seja, o consumo a partir de diferentes mídias pode proporcionar o desenvolvimento de habilidades distintas, mas que se assemelham em alguns aspectos, como o aumento de senso crítico, maior capacidade de imaginação, análise, formação de opiniões próprias e o desenvolvimento da leitura.
A leitura vai além da decodificação de símbolos, envolvendo também habilidades de interpretação e compreensão de textos, imagens e mensagens orais. A pesquisadora Géssica Lima, da Universidade da Paraíba, enfatiza a importância do hábito da leitura em seu artigo “O Papel da Leitura na Formação do Aluno”. Segundo ela, o hábito da leitura é processado pela linguagem, pois “ao decodificar uma mensagem oral por meio de sinais ou códigos, o indivíduo também está praticando o ato da leitura”. Ou seja, a prática da leitura está presente na vida humana desde o momento em que começamos a compreender o mundo ao nosso redor, mesmo antes de sermos considerados alfabetizados.
Assim dizendo, as produções jornalísticas são relevantes para que as crianças desenvolvam a linguagem como habilidade própria, mas também por serem indivíduos participantes da sociedade, que necessitam sanar suas curiosidades, comunicar seus desejos, inquietações e opiniões. É importante que os adultos, sobretudo os jornalistas, enxerguem as crianças. A jornalista e pesquisadora na área de jornalismo infantojuvenil, Juliana Doretto, afirma em seu livro “Pequeno Leitor de Papel”, que “para compreender as necessidades da criança leitora, é importante vê-la como criança-sujeito”, ou seja, vê-la como o outro “alguém a ser cada vez mais conhecido e ouvido, sem subestimá-lo, e não como pedra bruta a ser totalmente moldada”.
Além de grandes consumidores e interessados nos assuntos do cotidiano, as crianças e adolescentes são figuras importantes para a construção de produções jornalísticas, uma vez que possuem a capacidade de observar, constatar e emitir opinião, mas por serem constantemente subestimados, raramente são consultadas como fontes, até mesmo em pautas que as afetam diretamente.
O jornalismo em sala de aula
O ambiente escolar, assim como o jornalismo, também possui a função de estimular os alunos a compreenderem a sociedade, o meio em que vivem e a socializarem. Além disso, as produções jornalísticas podem ser utilizadas como recursos pedagógicos que estimulam a criatividade e atividades mais lúdicas. A monitora de teatro e dança da rede municipal de Mariana, Milena Pereira (23), explica que já utilizou exemplos de telejornais em exercícios com os seus alunos do quinto ano. “Acho importante mostrar para os meninos alguns exemplos de jornais na televisão, pois explico para eles como a linguagem muda a partir da mensagem que é transmitida, consigo falar sobre expressões corporais e faciais. Ainda que algumas vezes eles não tenham tanto o hábito de assistir em casa, é algo que está mais no cotidiano deles”, afirma.
Para evidenciar o olhar de uma criança sobre esse tema, a estudante da rede municipal de Ouro Preto, Luísa de Oliveira (10), relatou para o Lampião a sua experiência tendo contato com produções jornalísticas.Você sabe qual a função do jornalismo?
“Mais ou menos.” De início, Luísa se apresentou insegura para dar a sua resposta, mas a encorajei para que pensasse um pouco e expliquei que não teria resposta certa ou errada. Logo respondeu: “Acho que o jornalismo serve para deixar as pessoas sabendo o que está acontecendo no mundo”.
Você já realizou alguma atividade escolar sobre esse tema?
Entusiasmada, ela respondeu positivamente: “Já sim, uma vez a gente fez um jornal para apresentar falando sobre o racismo. Eu até usei a roupa da mamãe”.
E você tem o hábito de ler ou assistir jornais? Consegue entender o que está sendo falado?
“Às vezes eu assisto, mas algumas vezes tenho dificuldade pra entender o que eles falam”.
Você se lembra de alguma notícia que viu nos últimos dias?
“A última que lembro de ter visto foi sobre as eleições e também vi sobre a guerra no Líbano”.
Assim como Luísa, muitas crianças possuem dificuldade para compreender aquela linguagem do jornal tradicional, que aparece diariamente nas televisões brasileiras. Por isso, existem produções destinadas exclusivamente para esse público, como o podcast Curiá, programa de rádio da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que faz parte do projeto de extensão “Sujeitos de suas Histórias’, bem como o jornal impresso e digital “Joca”, que aborda assuntos como política, economia e ciência.
O primeiro deles, o Curiá, é um podcast totalmente gratuito sobre assuntos voltados para as crianças e com produções que contam com a participação delas. Para conhecer o conteúdo, clique aqui.
Já o Jornal Joca é exclusivo para assinantes de seu conteúdo digital e impresso. Aqui é possível conhecer mais sobre ele.
Para ilustrar a diferença na cobertura de certas notícias, podemos comparar a forma como o recente falecimento do jornalista e apresentador Cid Moreira foi noticiado pelo Jornal Joca e pelo G1, veículo da Globo dirigido ao público adulto.
Começando pelo jornal infantil, é notório que o texto é breve, tem maior foco no acontecimento e apresenta a carreira do apresentador de maneira sucinta. Ao citar o motivo do falecimento, o jornal explica o termo médico utilizado, o que contribui para maior entendimento. Mesmo tendo como fonte alguns jornais tradicionais, o conteúdo é transmitido de maneira sensível e encerra positivamente, com uma declaração de Cid sobre a sua trajetória profissional e que também se aplica ao contexto de sua morte. Veja o material:
“Morre o jornalista Cid Moreira, aos 97 anos
Morreu, no dia 3 de outubro, o jornalista e apresentador Cid Moreira, aos 97 anos, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, local em que morava. Cid estava internado no hospital Santa Teresa para tratar uma pneumonia, e o motivo da morte foi falência múltipla de órgãos (quando ocorre, ao mesmo tempo, o colapso total de dois ou mais órgãos essenciais para o funcionamento do corpo humano).
"Passei os últimos dias aqui com ele, não tinha outro lugar em que eu poderia estar. Ele dizia estar cansado. Não contei para ninguém para garantir sua privacidade e confortá-lo. Mas ele estava lúcido até o fim", declarou Fátima Sampaio Moreira, esposa de Cid, em entrevista ao programa Encontro com Patrícia Poeta, da Rede Globo.
Cid foi o primeiro apresentador do Jornal Nacional, principal telejornal brasileiro, transmitido pela Globo. Ele esteve na estreia, em 1969, e permaneceu por 26 anos no posto. Cid começou a carreira como locutor e rapidamente se destacou pela voz e pelo estilo de apresentação, percebidos ainda quando fazia imitações em festas na cidade de Taubaté, em São Paulo, onde nasceu.
Em entrevista ao jornal O Globo, Cid Moreira se declarou satisfeito com a sua trajetória. "Parei no auge, assim como Pelé. Quando fui comunicado das mudanças, lembrei muito dele. Pelé foi convidado para voltar à seleção em 1974 e não quis. Exatamente como Pelé, saio de campo no momento ideal", ele disse.
Fontes: CNN, Folha de S.Paulo e O Globo.”
De outro lado, no portal G1, site do grupo Globo e da emissora onde Cid Moreira consolidou sua carreira, o conteúdo é maior, dedicado à memória do apresentador e à sua história na empresa. O título também é mais extenso e poderia causar dificuldade de assimilação caso o leitor fosse uma criança. Ao citar o motivo da morte, neste caso, não foi explicado o termo médico por deduzir que o leitor já possui entendimento prévio. Pela extensão do conteúdo, foi selecionada a parte inicial para exemplificar. Leia a seguir:
“Cid Moreira, ícone do jornalismo da televisão brasileira, morre aos 97 anos
Jornalista, locutor e apresentador estava internado em um hospital em Petrópolis, na Região Serrana do RJ, desde o início de setembro, e teve falência múltipla dos órgãos.
Morreu nesta quinta-feira (3) o jornalista, locutor e apresentador Cid Moreira, um dos rostos mais icônicos da televisão brasileira, aos 97 anos.
Ele estava internado no Hospital Santa Teresa, em Petrópolis, na Região Serrana do RJ, desde o dia 4 de setembro, quando deu entrada com insuficiência renal crônica. O quadro piorou, e às 8h desta quinta Cid morreu de falência múltipla dos órgãos. Segundo o Memória Globo, Cid Moreira apresentou o Jornal Nacional cerca de 8 mil vezes.
O corpo do jornalista será enterrado em Taubaté, sua cidade natal. Ainda não se sabe a data e em qual cemitério será a cerimônia de despedida. Estão previstos ainda dois velórios: um nesta quinta em Itaipava, na Região Serrana, e outro na sexta (4) no Palácio Guanabara, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio [...]”
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