Iniciativa do Instituto Brasileiro de Museus realizada em todo o Brasil, o evento tem programação extensa em Ouro Preto e visa democratizar o acesso e debater temas importantes
Assim como a estação do ano, a Primavera dos Museus busca florescer e implementar debates fundamentais em instituições por todo o país. O evento, promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), nasceu há 18 anos com o intuito de intensificar a relação entre as pessoas e os museus, além de ampliar o acesso e o sentimento de pertencimento ao patrimônio cultural e histórico brasileiro.
O evento, realizado entre os dias 23 e 29 de setembro, teve como foco a acessibilidade e inclusão, temas centrais da Primavera deste ano. No decorrer da semana, foram disponibilizadas informações e promovidos debates com especialistas, abordando diferentes pontos de vista e questões que precisam ser repensadas tanto pelas instituições quanto pela sociedade.
A região Sudeste se destacou no evento com programação intensa, composta por 1060 ações. Desta, Minas Gerais é o estado que liderou o número de atividades, num total de 361. Já na Região dos Inconfidentes, Ouro Preto foi destaque com 21 eventos.
Ouro Preto, considerada Patrimônio Mundial e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), é um berço de arte e cultura não só para Minas Gerais, mas para todo o Brasil. A cidade foi a primeira a criar um Fórum de Museus e, mais tarde, o Sistema de Museus, reconhecido por lei em 2006. Esta implementação, considerada pioneira no campo da museologia, ajudou o território se tornar mais múltiplo e capacitado para receber turistas e a própria comunidade nos espaços museais, abrindo diálogos e mais possibilidades de crescimento.
Dos 13 museus atualmente em funcionamento, sete participaram efetivamente da 18ª edição da Primavera. As instituições abriram suas portas para atividades, workshops, oficinas e rodas de conversa sobre acessibilidade e inclusão. Além disso, realizaram intervenções nas exposições que já existem, fazendo reflexões fundamentais e imprescindíveis para o momento. Outro programa importante foram as visitas mediadas por educadores, que contribuíram para experiências mais ricas e aprofundadas nos museus.
Além da criação de um espaço de troca e compartilhamento, as instituições, aderem ao movimento da Primavera de cada ano por motivos que vão desde a divulgação — oportunidade de publicidade e visibilidade para suas estruturas e acervos, o que abre portas para investimento e reconhecimento — até a criação de parcerias e fortalecimento com outras instituições da cidade, como escolas e demais museus.
Gabriela Dilma Gomes, coordenadora da Rede Museus e Acervos da Universidade Federal de Ouro Preto, reforça esses como principais motivos do esforço da Rede em participar da Primavera: “eu não seria capaz agora de precisar desde quando os museus da UFOP atuam na Primavera de Museus. Mas o fato é que existe sim o esforço, hoje, da Rede de Museus estar presente, a partir e através dos seus museus e dos seus acervos”. A Rede, que conta com coleções de caráter museológico, documentalista e/ou memorialista, que incluem arquivos fotográficos, livros, obras raras, coleções de mineralogia e zoologia, acervos de plantas e equipamentos de ensino, entre outros, esse ano, especificamente, participa com os acervos do Museu da Farmácia e a Coleção de Zoologia dos Vertebrados da UFOP.
A existência da Primavera e seu desempenho nos últimos anos foram afetados pela pandemia de Covid 19. Um dos grandes desafios foi a retomada plena das atividades. “Na pandemia tudo fechou, ninguém saiu. Foi aquela coisa horrorosa que a gente não tinha vacina, com risco de vida. Então, cada instituição ficou muito para si e, desde quando voltamos à normalidade, as pessoas continuam muito distantes e desmobilizadas. Ainda está muito difícil a gente conseguir uma dinâmica em que todos participem”, relatou a Coordenadora do Sistema de Museus de Ouro Preto, Yara Mattos.
O objetivo da Primavera dos Museus é justamente aproximar as pessoas aos espaços museais, popularizá-los e democratizar o acesso a eles. Porém, esse fluxo foi interrompido e o IBRAM precisou trilhar novas rotas para que o evento continuasse crescendo. Nesse sentido, o Diretor de Difusão, Fomento e Economia do Instituto, Joel Santana, comemora o lançamento da plataforma Visite Museus, pois "ela vai servir para cadastrar as atividades da semana e da Primavera e também poder utilizar o ano inteiro. É para conectar o cidadão sendo uma ferramenta de instituições e museus. E, além disso, compilando dados de todo o sistema”.
A intenção é justamente proporcionar facilidade e acessibilidade para todas as pessoas, não somente para os eventos que acontecem anualmente, mas também para o dia a dia das instituições, isso de acordo com o diretor de difusão, fomento e economia do IBRAM. Com todas as programações disponíveis no portal nacional, os visitantes conseguem ter acesso aos eventos, podendo criar seus roteiros, consultar os preços das exposições e comprar ingressos das atividades que não sejam gratuitas.
Segundo Joel, a estreia da plataforma ocorreu em um momento crucial para o Instituto e para a Primavera, pois em breve acontecerá a oitava edição do Fórum Nacional de Museus, de 25 a 29 de novembro. A ação, que acontece de dois em dois anos, serve para reavaliar e refletir sobre as diretrizes da Política Nacional de Museus, ou seja, são dois momentos seguidos (Primavera e Fórum) para colocar novas ideias na mesa.
Ele afirma que, com maior presença popular e a implementação do novo site, será possível democratizar ainda mais o acesso de todas as pessoas, além de ampliar a comunicação do evento, que vem sendo debatida como ponto importante, já que chegar até o público ainda é uma questão sensível para a iniciativa.
Um desafio comentado por Joel é a adesão das pessoas com participação ativa nos processos museais brasileiros. Pensando nisso, neste ano o IBRAM abriu uma consulta aos 30 museus que administra, para escolher o tema da 18ª Primavera dos Museus. “A importância desse movimento é realizar uma construção coletiva do que queremos ver e debater dentro dos Museus brasileiros, pensando nas múltiplas vozes que compõem a sociedade”, afirmou.
A acessibilidade e inclusão em museus não é um tema novo e se estende além da Primavera. Tanto que a temática vem sendo requisitada há tempos, mas nunca discutida em âmbitos institucionais, como proposto nesse ano. Ao desafiar esses espaços a crescerem e se adaptarem para inclusão de mais e diversos públicos, a expectativa é que os museus possam mostrar para sociedade que o acervo, o patrimônio e a história é dos cidadãos e para os cidadãos.
Thalles Lopes, ator, diretor de audiovisual e deficiente visual, foi convidado da Primavera dos Museus na palestra “Museu: lugar da diversidade”, oportunidade em que reforçou o impacto do evento em reverberar sobre estruturas que, apesar de históricas, podem e devem ser modernas. “A primavera dos museus é esse momento para repensar um pouco, né? Rever mesmo o que que precisa mudar, o que que precisa ser feito. Pessoas com deficiência não conseguem alcançar lugares porque elas são podadas disso. Acho que é esse o momento de colocá-las nesse lugar de gerência, e eu acho que a Primavera dos Museus vem abrindo espaço em diversos temas voltados para isso”, afirmou Thalles.
Ele conta ainda que, por muito tempo, ficou de fora de programações e espaços museais por não ter estímulo e condições desses locais para recebê-lo: “Você vai no museu e fica de fora? Porque para quem é uma pessoa com deficiência visual, você fica. Mas eu fico feliz que estamos caminhando, estamos neste momento discutindo várias questões, várias possibilidades abertamente. Isso aqui é um fato histórico também. A gente tá aqui, a gente tá construindo também narrativas históricas”.
Cíntia Soares, jornalista que participou da palestra ao lado de Thales, complementa a fala dele contando sua trajetória pessoal relacionada ao ambiente museal: “sempre ouvi de pessoas próximas, que espaços culturais eu não ia ter como vivenciar e ter essa experiência. E quem fosse do meu vínculo iria ter que se acostumar com minha ausência e não poderia me convidar para estar nesses espaços. Mas, quando eu fui pela primeira vez [em um museu] eu falei: ‘nossa, caramba, eu gosto desses espaços, eles me pertencem também’”.
O único museu da cidade de Ouro Preto que integra a rede do IBRAM, o Museu da Inconfidência, reforça o papel da acessibilidade em diferentes níveis; Para além da acessibilidade física, destaca também a acessibilidade financeira e de representatividade de outros interlocutores e agentes. Alex Calheiros, diretor do Museu da Inconfidência, afirma ter o compromisso em tornar este espaço mais acessível — em todos os sentidos — para quem o visita.
“Entendemos a acessibilidade num sentido muito amplo, já que o museu também está passando por um momento de reposicionamento e, para a gente, acessibilidade é um direito de todos: acessar o patrimônio cultural brasileiro. Desde que eu entrei [em abril de 2023], uma preocupação grande e constante é sobre a gratuidade. Quem está acessando o Museu hoje?”, reflete o diretor do Museu, que recebeu quase 300 mil visitantes no último ano.
Para isso, Alex afirma que, recentemente, foi contratada uma arquiteta para montar um planejamento para o edifício tombado. Também está sendo reelaborado o setor educativo que atua no museu, pois está em processo o reposicionamento diante da exposição permanente e o próprio ambiente. Ele afirma que: “O Museu da Inconfidência completou 80 anos, de um modo geral, exibindo apenas uma narrativa. Muitas vezes as pessoas têm estranhado as intervenções, discordando da ética para a gente. Isso é absolutamente natural e interessante inclusive, porque a gente está numa instituição muito tradicional e que a narrativa que ela apresenta foi naturalizada”.
A educação tem papel chave na mudança e tomada de novas perspectivas nas organizações museais, pois inúmeras escolas visitam estes ambientes com intuito de aprender a partir dos exemplos, da história, seja ela do país, da cidade ou de uma pessoa específica. Sobre isso, Gilson Nunes, professor do departamento de Museologia da UFOP, reafirma o compromisso educativo necessário: “os museus são, por conceito, uma instituição também voltada à educação, mas à educação informal, aquela educação que não é do banco de escola, que tem currículo, que tem avaliação. Uma educação, portanto, mais livre, mais aberta. Então, é obrigação dos museus instituírem os seus programas educativos voltados para a população em geral e também para o público escolar”.
Ouro Preto tem se destacado no esforço para prosseguir na busca pela democratização e acesso aos museus. Junto com informações consistentes e boa adesão do público, para além da semana que celebra a Primavera dos Museus, a cidade — e seus entes museais — precisam desenvolver um planejamento permanente voltado para as pessoas que ainda estão fora desses espaços de memória social. Só assim, as próximas Primaveras virão mais fortes.
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