Proposta de Emenda à Constituição (PEC) reacende debates sobre condições de trabalho, produtividade e bem-estar, dividindo opiniões entre trabalhadores e empresários.
A rotina de seis dias de trabalho e apenas um de descanso, conhecida como escala 6x1, é uma realidade que atravessa gerações no Brasil. Para muitos, essa rotina impacta negativamente na qualidade de vida e prejudica a saúde física e mental do trabalhador. Recentemente foi apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que promete transformar essa dinâmica ao propor uma jornada de trabalho 4x3, ou seja, quatro dias de trabalho e três de descanso durante a semana.
A iniciativa reacendeu discussões sobre as condições de trabalho no país, gerando um debate polarizado. Enquanto alguns enxergam na proposta a possibilidade de um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, outros apontam possíveis impactos financeiros e questionam a viabilidade econômica da medida. Em meio a esse cenário, o país se vê diante de um debate que pode transformar a relação entre empregadores e empregados, mas que ainda não é bem compreendido por muitas pessoas que poderão ser impactadas.
Entendendo as PECs
Segundo a economista Ariane Silva, a PEC, ou Proposta de Emenda à Constituição, é a forma utilizada para trazer atualizações à Constituição Brasileira de 1988, com o objetivo de acompanhar as mudanças na sociedade, corrigir o que não está funcionando, além de rever ou adicionar novos direitos e responsabilidades. São quatro formas para se encaminhar uma PEC: pelo presidente da República; por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados (pelo menos 171 dos 513 deputados); por 1/3 dos senadores (pelo menos 27 dos 81); ou, pelas Assembleias Legislativas Estaduais (com o apoio de mais da metade dos deputados estaduais).
A PEC também deve estar em conformidade com a Constituição e não ir contra às cláusulas pétreas, ou seja, partes que não podem ser mudadas, como: direitos e garantias individuais (como liberdade de expressão e direito à vida); separação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); e, voto direto e secreto com valor igual para todos. Além disso, a PEC passa por dois turnos de votação em cada casa legislativa: Câmara dos Deputados e Senado Federal. Por fim, a PEC pode ser aprovada integralmente, sofrer alterações ou ser rejeitada.
O que propõe a PEC da escala 6x1
A PEC pela redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6x1, protocolada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL - SP) e em tramitação no Senado, propõe limitar a jornada semanal a 4 dias de trabalho e 3 dias de folga (escala 4x3). Atualmente, a Constituição estabelece uma jornada máxima de 44 horas semanais, com limite de 8 horas diárias. Essa iniciativa tem reacendido discussões sobre as condições de trabalho no Brasil, na expectativa de equilibrar questões como produtividade e direitos trabalhistas.
Em novembro deste ano, a deputada utilizou as redes sociais para movimentar e pressionar os deputados a assinarem o requerimento de apoio à PEC, que precisava das 171 assinaturas para tramitar no Senado Federal. No dia 13 de novembro, o número de assinaturas chegou a 231, segundo a equipe de Erika. Em entrevista à CNN, ela afirma que a proposta, se aprovada, terá um “tempo de transição” de um ano, prevendo assim a mudança gradual a partir do diálogo com os diversos setores da sociedade.
As opiniões se dividem
As opiniões sobre a jornada de trabalho e a escala 6x1 revelam um cenário de divergências. Alguns expressam o impacto negativo da carga excessiva de trabalho e outros se preocupam com possíveis consequências econômicas negativas. Guilherme Filene, assistente social de 26 anos, compartilha a sua visão sobre as longas jornadas de trabalho, enfatizando que o tempo dedicado excede as 8 horas permitidas na Constituição quando se considera o período gasto no deslocamento. Para ele, o descanso de um dia é insuficiente, especialmente para quem tem responsabilidades familiares. “É muito ruim, não é o suficiente, principalmente quando você tem filhos, você tem a sua família, você tem a sua casa. São cuidados que você precisa ter, além dos cuidados com você mesmo, e acaba que você não descansa”, explica Guilherme.
José Chaves, motorista de 53 anos, vai na mesma linha ao descrever a escala 6x1, pois sente constantemente a falta de tempo para resolver questões pessoais. “Na escala 6x1, a pessoa não tem tempo de fazer muita coisa. A gente sempre fica sem tempo para resolver um problema na rua e você tem que ficar pedindo aos patrões para ter folga. E nem sempre libera. Você não tem como fazer nada, porque você tem que dormir e descansar.”
Essa dificuldade de conciliar compromissos pessoais com a rotina de trabalho é destacada também por Ariane, “o trabalhador hoje em dia tem consciência de que ele precisa ter uma qualidade de vida. Que ele precisa ir em um médico, que ele precisa fazer as compras dele em paz, que ele precisa estar em casa, que ele precisa ter uma expectativa. E quando falamos da escala 6x1, a gente não tem isso. Como que o trabalhador vai num médico? Pra ir precisa pedir folga e pagar essa hora depois. Ele acaba deixando de lado e deixando tudo pra resolver nas férias, quando volta, acaba voltando cansado e nem descansa.”
Por outro lado, Helielcio Vieira, gestor da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana (Aciam) , traz um ponto de vista empresarial sobre a questão. Ele alegou que o fim da escala 6x1 poderia trazer muitos prejuízos financeiros para os empresários da região e que o fim da escala não significa necessariamente um aumento da produtividade por parte dos funcionários. Ariane, no entanto, pondera que a produtividade do trabalhador está diretamente ligada à sua capacitação profissional, “a qualificação dos trabalhadores, além de promover o desenvolvimento profissional, contribui diretamente para o aumento da produtividade”, defende.
Segundo Vieira, a Aciam se coloca contra a PEC pelo fim da escala 6x1, pois com a redução da jornada de trabalho, sem a redução dos salários, a proposta coloca em risco a manutenção de micro e pequenas empresas da região, podendo ocorrer falências e demissões, pois aumentariam seus custos operacionais. Ele também defende que um debate mais amplo deveria ser feito, para que soluções alternativas que priorizem o desenvolvimento econômico e o ambiente de negócios sejam discutidas.
A economia vai quebrar?
Segundo Ariane, há uma polarização nas opiniões sobre o tema. Segundo ela, "as pessoas estão generalizando. Quem trabalha 6x1 quer que a escala acabe, enquanto o empregador quer que ela continue. Os dois lados estão trabalhando com 8 ou 80." Ela destaca que o fim da jornada atual (6x1) tem aspectos positivos, como o aumento do consumo, mas também reconhece os desafios, como o acréscimo nas despesas devido a necessidade de contratar mais funcionários para cobrir os turnos. Apesar disso, Ariane considera improvável que haja demissões em massa e fechamento de comércios. “As empresas não vão fechar, elas terão que se readequar, pois toda mudança gera um desconforto e desafios no começo”. Para ela, somente a PEC não é suficiente para concretizar essa mudança, sendo necessário também estabelecer novas políticas públicas, oferecer incentivos ao comércio, disponibilizar orientações para os empregadores, pois hoje em dia já acontecem diversas outras escalas de trabalho dentro dos limites permitidos pela Constituição.
Harrison Ceribeli, doutor em Administração de Organizações pela Universidade de São Paulo (USP), destaca que as empresas podem manter seu quadro de funcionários sem aumentar significativamente os custos, desde que invistam em tecnologia e capacitação. Para ele, “a qualificação dos trabalhadores, além de promover seu desenvolvimento profissional, contribui diretamente para o aumento do rendimento e desempenho”. Isso é ainda mais relevante quando se observa que, em uma escala 6x1, os trabalhadores, frequentemente exaustos, não conseguem atingir o mesmo nível de eficiência de alguém que tem tempo para se recuperar física e emocionalmente.
Neste sentido, a qualidade de vida dos funcionários deve ser priorizada antes de se falar em aumento de produtividade. Ceribeli ainda argumenta que “as novas gerações, em particular, estão cada vez mais decididas a buscar um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, rejeitando a ideia de viver para trabalhar”. Rafael Vieira, 25 anos, assistente administrativo, complementa essa visão: “A escala 6x1 é uma afronta às liberdades humanas. Claro que pode ser argumentado que o trabalhador deva ter liberdade de escolher sua jornada de trabalho junto ao seu patrão, porém em um contexto no qual a saúde física e mental é prejudicada, cabe a intervenção do Estado visando o bem-estar geral da população.”
De acordo com Harrison, “outro ponto importante é que o custo de manter a escala 6x1 é elevado, pois a exaustão gerada por essa carga de trabalho resulta em adoecimento e alta rotatividade de funcionários”, afinal, demitir e recrutar novos colaboradores significa gastos com rescisões, contratações e treinamentos. Portanto, é muito mais vantajoso para o empresário investir na retenção de funcionários, garantindo sua permanência por mais tempo, do que manter a rotatividade constante, que resulta em custos adicionais.
Maria Cristina Xavier, empresária do setor de beleza em Mariana, também aponta que jornadas equilibradas impactam positivamente no desempenho dos funcionários. “Se diminuir, dependendo da empresa, é prejuízo, mas eu ia pensar no lado do funcionário também, porque não adianta produzir sendo que o funcionário vai estar cansado. Isso acaba diminuindo a produção também. Na minha empresa, as funcionárias folgam dois dias, domingo e segunda, e assim vejo que é menos cansativo. Elas conseguem descansar e até aproveitar melhor a folga”, explica.
Como apontado em mapeamento realizado em outubro de 2023 pelo projeto Varejo Inteligente Conecta Brasil, CDL/BH e Sebrae, as principais dificuldades enfrentadas pelos micro e pequenos empresários estão ligadas à falta de capacitação técnica, que impacta diretamente a gestão, o aumento de vendas, o faturamento e o controle de estoque. Isso reforça a ideia de que investir na qualificação dos trabalhadores não apenas melhora o rendimento, mas também contribui para a eficiência das empresas, mesmo em um contexto de redução da carga horária.
O debate sobre a extinção da escala 6x1 revela a necessidade de conciliar os interesses de trabalhadores e empresários, promovendo soluções que assegurem tanto a qualidade de vida quanto a eficiência econômica. De um lado, os trabalhadores reivindicam condições mais humanas, com tempo adequado para descanso, família e saúde. Do outro, os empresários enfrentam o desafio de ajustar seus modelos de gestão sem comprometer a produtividade e a sustentabilidade de seus negócios.
Jornadas mais equilibradas, como o modelo 4x3, mostram-se viáveis ao combinar bem-estar e desempenho, desde que sejam apoiadas por investimentos em tecnologia, capacitação profissional e políticas públicas de incentivo. Esse debate vai além de questões econômicas, destacando a necessidade de um equilíbrio entre o crescimento empresarial e o bem-estar social.
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