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João Alexandre Gonçalves e Thiago Gomes

Cemitério dos Ingleses e Capela de Santa Edwiges estão em estado de abandono em Passagem de Mariana

Ruínas de monumentos históricos que são vestígios da presença britânica na região apontam para o descaso em meio à luta pela preservação cultural e patrimonial


#ParaTodosVerem - Ao centro, a capela de Santa Edwiges em estado de abandono, já sem teto e com apenas parte das paredes frontais e laterais. Em volta, ela se encontra rodeada por mato. Em seu interior, há árvores crescendo.

Em março deste ano completaram-se cem anos da venda, por imigrantes ingleses em Mariana, da Mina da Passagem, local onde se encontra o Cemitério dos Ingleses e a Capela de Santa Edwiges, que é considerada por historiadores a primeira igreja anglicana de Minas Gerais. Ambas as construções estão em estado de abandono, com o acesso restrito e grandes danos à estrutura. 


Mais popularmente conhecido como “Cemitério e Capela dos Ingleses”, o conjunto de ruínas se encontra em Passagem de Mariana, distrito localizado entre as cidades de Mariana e Ouro Preto, representando parte dos vestígios do período em que os ingleses viveram na localidade (de 1859 a 1927). Segundo dados do Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), os britânicos migraram para a cidade mineira no início do século 19, quando, em comum acordo com a corte portuguesa, começaram a adquirir minas de ouro na região. Entretanto, foi apenas em 1859 que eles se estabeleceram por completo, quando o Barão de Eschwege vendeu os direitos da área da Mina da Passagem para o inglês Thomas Bawden e seu sócio, o capitão Thomas Treloar, criando a Anglo Brazilian Gold Mining Company. Assim, os ingleses permaneceram na região até 1924, quando, enfim, a Mina da Passagem foi vendida para a família Guimarães, o que fez com que a grande maioria desses estrangeiros se mudasse da região.


A capela homenageia Santa Edwiges e, ao seu lado, encontra-se o cemitério, dedicado especialmente ao sepultamento dos anglicanos, que são os ingleses praticantes da religião oficial da Inglaterra, a Igreja Anglicana. Esses ingleses haviam migrado para Passagem de Mariana para trabalhar nas minas de ouro após a venda do território para uma companhia inglesa. Por serem protestantes, eles não poderiam ser enterrados em cemitérios católicos.

Desde a venda da mina e de toda a área na qual estão situados o cemitério e a capela, o local ficou abandonado. De acordo com o coordenador de patrimônio histórico da Secretaria de Cultura, Patrimônio Histórico, Lazer e Turismo, Lélio Pedrosa, o local era visto por muitos como “impuro”, isso em razão de abrigar uma igreja de religião protestante em meio a uma região regida pelo catolicismo. Como explica o coordenador: “Quando eles foram embora, ficou abandonado, tanto é que as crianças… as pessoas, não podiam ir lá, porque o padre excomungava.”


No mapa disponível no livro “A Presença dos Ingleses em Passagem de Mariana” (2018), escrito por  Leandro Henrique dos Santos, são indicados 50 túmulos. De acordo com o jornalista e autor da publicação, após a venda da mina, inicialmente, a área da capela foi preservada e respeitada. Contudo, algum tempo depois, os túmulos foram sendo abertos por pessoas que começaram a visitar o local clandestinamente: “Com o passar do tempo, algumas pessoas abriram os túmulos, criando a lenda de que as pessoas foram enterradas com dentes de ouro, relógios, colares preciosos…Todos os túmulos foram profanados”.


#paratodosverem: Mapa em preto e branco apontando as localidades de cada túmulo. À direita, o número de cada jazigo e os nomes dos falecidos enterrados.

As construções estão em um terreno que pertence à área da Mina da Passagem, famoso ponto turístico local, também engloba a região de proteção do sítio arqueológico Morro do Santana e Santo Antônio. O mato alto e até mesmo árvores crescendo em meio às paredes da capela estão contribuindo para danificar a estrutura de parte do que restou do histórico monumento.


Para João Vitor Carmo, 26, morador nascido e criado em Passagem de Mariana, o cemitério e a capela dos Ingleses poderiam ser mais um ponto turístico da região, além da famosa Mina da Passagem: “Seria uma opção também para os turistas estarem frequentando, porque os guias turísticos que estão ou já estiveram aqui, geralmente só levam essa turma para conhecer a mina, por exemplo”.


Neste ano, completaram-se cem anos da saída da companhia inglesa da região, e tanto a capela quanto o cemitério encontram-se em condição de “arruinamento contínuo” (termo utilizado pelo IPHAN para caracterizar a condição do local). Apesar de estar registrado como sítio arqueológico com proteção federal, o local está dentro de uma propriedade privada, pertencente à empresa CMP Imóveis Ltda.


#paratodosverem: A imagem é composta por duas fotos: à esquerda, uma imagem da capela ainda com sua fachada de pé, mas toda coberta por mato; à direita, a imagem atual, mostrando a capela já sem sua fachada frontal de pé.

Um inquérito foi instaurado em 2022, a partir de uma requisição da Procuradora da República Silmara Cristina Goulart, que compõe o núcleo Ambiental, Patrimônio Histórico e Cultural de Minas Gerais. O processo visa investigar as condições do local, com requisições de informações ao IPHAN, ao Município de Mariana e à empresa PAMIN - Passagem Mineração S/A, que atua com extração mineral na região.


Em um dos documentos do processo, a PAMIN afirma que a responsável pela manutenção e preservação do sítio é a CMP Imóveis: “É essencial esclarecer que a PAMIN não é, e nunca foi, a proprietária dos imóveis de matrículas n.º 2.253 e 2.274, onde se encontra o dito ‘sítio arqueológico Morro de Santana’ [local onde se encontra a capela e o cemitério]. A proprietária do imóvel é a CMP Imóveis.”


No mesmo documento, mais à frente, a Passagem Mineração reafirma que é de responsabilidade da CMP a manutenção do complexo e que a proprietária sempre realiza ações para preservar a área: “A proprietária da área (CMP Imóveis Ltda.) que se refere o ofício do IPHAN – frisa-se que não é a PAMIN – sempre realiza ações que visam a segurança e a preservação do local, mediante o cercamento, instalação de placas informativas, capina e limpeza periódica, acesso oficial restrito e vigilância, principalmente para evitar invasões."


#paratodosverem: Em foco uma lápide em meio a escombros do cemitério, cercado por mato e árvores em volta.

Entretanto, sem um tombamento decretado, o Estado, o Município ou a União não podem intervir deliberadamente nas condições do complexo, dado que o sítio faz parte de uma propriedade particular. Como afirma o secretário municipal de Cultura, Patrimônio Histórico, Turismo e Lazer do município de Mariana, Gustavo Henrique Oliveira Leite: “Por se tratar de uma área particular, o município não pode agir. É um imóvel de propriedade da Mina da Passagem e quem tem que fazer toda a manutenção são eles. O município não pode nem explorar como atrativo turístico.” E ainda completa: “O município pode ajudar, não obrigatoriamente, mas uma ajuda de manutenção. Mas aí também vai do particular. E em caso de deterioração grave e maus cuidados pelo proprietário, aí é que o Estado, a União, até o município tem que intervir, uma vez que esteja tombado.”


Assim como prevê o artigo 216 § 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o relatório de dados do IPHAN, o Poder Público, com a colaboração da comunidade, deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas que visem preservá-lo. O que não está ocorrendo com a área da capela e do cemitério.


 O chamado “complexo dos ingleses” chegou a ser tombado a nível municipal em 2008, mas em 2019 foi julgada e decretada a anulação do Decreto Municipal de Tombamento (n.º 4.481/2008), que caracterizava o “Morro de Santana - Gogô” (região onde se situa a capela e o cemitério) como um patrimônio tombado. A partir de tal anulação a região deixou de ser obrigatoriamente protegida pelo município. A necessidade de proteção em âmbito federal continua a existir, por se tratar de um sítio arqueológico catalogado no IPHAN, e deve ser efetivada caso o proprietário do local não consiga garantir sua preservação.


O Jornal Lampião tentou entrar em contato com as duas empresas envolvidas no caso, com a Mina da Passagem e com o IPHAN. No endereço registrado pela PAMIN e pela CMP, encontra-se a recepção da Mina, onde não obtivemos  retorno sobre o assunto. Foram feitas também tentativas de contato por meio da área de imprensa no site e por e-mail, com o objetivo de incluir pelo menos um parecer das companhias na matéria. Entretanto, não foram obtidas respostas, bem como nas tentativas de contato com o IPHAN de Mariana, que nos orientou a procurar a sede de Belo Horizonte, que também não respondeu.


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