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Janine Xavier e Maria Julia Moura

Entre lendas e ruínas, o Casarão resiste


#Paratodosverem: foto do Casarão Vira Saia atualmente, em ruínas, com paredes de pedra e madeira em estado precário. A estrutura apresenta vigas de sustentação improvisadas e lonas azuis cobrindo parte do imóvel. O ambiente é uma rua calçada com vegetação ao redor.
O Casarão do Vira Saia será devolvido à comunidade ouro-pretana. Um símbolo que guarda e conta a história da cidade desde a época do Ciclo do Ouro  | Foto: Maria Julia Moura 

Na sinuosa ladeira da Santa Efigênia, entre telhados que guardam séculos de história do bairro Antônio Dias, ergue-se o Casarão do Vira Saia, uma das tantas construções que veem o tempo passar em Ouro Preto. Mas o que o tempo deixa à deriva, abandonado, a memória insiste em resgatar. 

Durante o 11º Encontro Brasileiro das Cidades Históricas, Turísticas e Patrimônio Mundial, bem longe dali, sob os ares da cidade de Salvador, na Bahia, o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, assinou um termo de convênio com a Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial (OCBPM). Foi garantido então 1,3 milhão de reais para trazer vida ao Casarão e manter a história que teima em permanecer viva, mesmo escondida entre escombros.

Uma vitória para o bairro mais charmoso de Ouro Preto, é o que dizem. Mas o caminho até aqui não foi breve. A trajetória em direção à restauração do Casarão é um reflexo do que significa preservar a história em meio ao presente. Em 2021, começou a delicada análise jurídica para a aquisição do imóvel pela prefeitura, culminando em sua desapropriação em 2022. Não foi apenas uma questão de burocracia: foi um ato de resistência. E como não? O Vira Saia, nome imponente e cheio de sussurros do passado, é muito mais que um casarão abandonado. É a história de um Robin Hood de Vila Rica, de um povo que não esquece suas lendas e lutas. Preservar é também proteger o que o futuro poderia perder.


#Paratodosverem: foto do Casarão Vira Saia Uma em 2007. Casa antiga de dois andares com paredes brancas e base de pedra. As janelas estão fechadas e o telhado possui telhas coloniais.
Casa do Vira Saia em Ouro Preto no ano de 2007 | Foto: Jair Amaral/EM/D.A.

Mas, afinal, quem foi o tal do “Vira Sahia”, como era conhecido o personagem no século XVIII,  que empresta o nome ao Casarão? Dizem que por volta dos anos 1740, ali viveu um homem de modos irreverentes, rico e querido pela comunidade, mas que escondia um segredo. À noite, ele e sua quadrilha roubavam o ouro da Coroa, aterrorizando a população local com supostas aparições fantasmagóricas. Mas era tudo teatro para enganar os soldados. As “Almas do Purgatório”, como se chamavam, esperavam a noite cair para fazer a distribuição do ouro roubado, uma parte entre os membros da quadrilha e outra parte para um esconderijo secreto, até hoje não encontrado. Quando o Sol nascia, voltavam para suas famílias e trabalhos.


#Paratodosverem: Ilustração em preto e branco retratando um homem a cavalo, próximo a um oratório em um muro de pedra. O cavaleiro segura uma imagem de uma santa que está dentro do oratório em uma das mãos, e o cenário ao fundo representa uma paisagem urbana colonial com igrejas e telhados históricos.
Ilustração do Vira Saia no livro Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto, de Angela Xavier, 2021 | Ilustração: José Efigênio Pinto Coelho

Naquela época, existiam dois caminhos para o ouro sair de Vila Rica para o Rio de Janeiro: um por Saramenha, passando por Ouro Branco, e outro pelas Cabeças, Passa Dez e Cachoeira do Campo. Antônio Francisco Alves, o Vira Sahia, mandou construir um oratório, em frente a sua casa, onde botou uma imagem de Nossa Senhora das Almas. Era com essa santinha que ele avisava os companheiros sobre qual seria o caminho do ouro, ora virava para o lado de Saramenha, ora para o lado do Passa Dez. 

Mas como ele sabia o caminho que o ouro iria percorrer? 

Esse era um problema sério para a Coroa, que até tentava enganar os ladrões mandando dois comboios, um disfarçado de comerciantes e outro escoltado por soldados. Porém, como dito anteriormente, Antônio era um homem de posses, estimado pela comunidade, fora de qualquer suspeita. Foi por isso que o Vira Sahia conseguiu a amizade de um homem que trabalhava na Casa de Fundição, seu informante. Na maioria das vezes, as Almas do Purgatório levavam a melhor.

As autoridades, indignadas com a situação, tinham certeza de que havia de ter um informante, única explicação para a situação. Eles botaram uma recompensa em ouro para quem entregasse os bandidos. Muitas foram as pessoas mortas por engano, tendo suas cabeças cortadas e expostas na saída de Ouro Preto. Hoje o local é conhecido como Alto das Cabeças. 

Havia apenas um estrangeiro entre o bando. Um espanhol que odiava os portugueses e sonhava em voltar para a Espanha. Instigado pela recompensa e por sua mulher, ele procurou as autoridades e contou tudo. Que os bandidos se chamavam Almas do Purgatório e eram organizados por um “monstro vingativo, feiticeiro cruel, chamado Vira Sahia”. Foi o suficiente para a Coroa saber quem era, só existia um Vira Sahia, mas era um homem rico e estimado, eles não podiam prendê-lo sem ter certeza. A partir de então, homens à paisana começaram a vigiá-lo dia e noite. Os soldados perceberam que na frente do casarão havia um oratório com a imagem de Nossa Senhora das Almas, que era cuidado única e exclusivamente pelo Antônio, que ora estava virado para a direita, ora para a esquerda. Mataram a charada da informação. Uma noite confirmaram suas suspeitas e soldados cercaram a casa.


#Paratodosverem: Uma construção de um oratório colonial em pedra, localizado no topo de um muro de pedras rústicas, com uma cruz visível em seu interior. Ao fundo, há uma casa branca com janelas de madeira e detalhes em tom marrom, típica da arquitetura histórica.
Oratório do Vira Saia – Esquina da Barão do Ouro Branco e ladeira da rua Santa Efigênia. Não é o oratório original, pois o primeiro foi destruído pelas autoridades locais em meados do século XVIII. | Foto: Maria Julia Moura 

O que ocorreu depois disso não foi bonito. O homem foi espancado e morto na frente de sua família, sem um julgamento e sem revelar a localização do esconderijo do ouro. Sua esposa e filhas foram espancadas, estupradas e jogadas mortas em um matagal próximo, tendo seus corpos encontrados por cachorros dias depois. 

A Capela das Dores só existe hoje porque o noivo de uma das filhas de Antônio, desolado após sua perda, entrou para o convento e tratou de construir o local. Sem torres, pois estas só existem em locais afortunados. Até tentaram construir torres naquela capela, mas misteriosamente elas caiam em menos de 15 dias após a conclusão. 

O delator foi morto pelo bando, junto de sua esposa e filha. Dizem que sua alma, semelhante a um urubu, saiu do corpo e vaga até hoje, tentando encontrar o caminho para a Espanha. Se você observar, ainda consegue ver três urubus pousados na Casa dos Contos, observando o horizonte.

Sejam essas histórias, lendas ou não, o Vira Saia se eternizou no local e se olhar bem, você pode vê-lo em meio às ruínas de seu casarão. Na ladeira da Santa Efigênia, o Casarão Vira Saia aguarda. Resiste. Como todo bom casarão colonial, ele sabe que as histórias nunca acabam, apenas esperam o momento certo de recomeçar.



Este texto é uma crônica que combina elementos da história e da memória coletiva de Ouro Preto, construída a partir de pesquisa detalhada e entrevista realizada com a escritora, historiadora e contadora de histórias, Angela Xavier, especialista na história do Casarão.   



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