Menos de um ano após a entrega das casas, moradores convivem com os prejuízos e dúvidas sobre a infraestrutura do novo local.
Ouça a matéria na íntegra:
Desde dezembro de 2023, quando os primeiros moradores se mudaram para o reassentamento de Paracatu, um sério problema vem sendo relatado: as constantes quedas de energia. Com elas, vêm também prejuízos, tanto materiais, como eletrodomésticos; quanto intangíveis, como a paz e a qualidade de vida. Ana Paula Carneiro, uma das primeiras pessoas a se mudar para o local, reclama da situação:
“Então, isso tem afetado muitas pessoas, porque a gente acaba perdendo os nossos eletrodomésticos e ninguém quer arcar com a responsabilidade. A gente fica, cada vez mais, perdendo com isso.”
Imagine a seguinte situação: após um dia de trabalho, você chega em casa por volta das 18h, toma um café da tarde e, por volta das 19h, vai tomar um banho quente. De repente, a luz se apaga e a água está fria. Esse é o problema enfrentado diariamente pelos moradores do "novo"subdistrito desde que se estabeleceram em suas novas residências. “Chega às 19h aqui, a luz toda hora cai, cai e volta, cai e volta. Várias pessoas já perderam eletrodomésticos, perderam tudo por causa desses picos de energia.” Afirma Romeu Geraldo de Oliveira, presidente da Associação de Moradores.
Paracatu, como atualmente é chamado o sub-distrito "reconstruído" de Monsenhor Horta (distrito de Mariana), fica a 37 km da sede de Mariana, aproximadamente a 50 minutos de carro, a depender do tráfego de caminhões pelas vias de acesso. O seu nome anterior ao desastre da Samarco (empresa pertencente às mineradoras Vale e BHP) era Paracatu de Baixo. Entretanto, no dia 5 de novembro de 2015, tudo mudou. A antiga localidade foi devastada pelo rompimento da Barragem de Fundão, que despejou cerca de 60 bilhões de litros de rejeitos da mineração de Mariana até o mar do Espírito Santo (segundo o Ministério Público de Minas Gerais). Os seus moradores foram obrigados a abandonar seu território, deixando para trás, não só bens materiais, como também parte de sua identidade como comunidade rural, sua história, sua memória e a tradição de suas famílias.
Desde o rompimento da barragem, são quase nove anos de luta, que se completam no próximo dia 05 de novembro, com o objetivo de garantir os seus direitos e estarem de volta a um local que pudesse ser chamado de casa. Ainda que este jamais seja capaz de substituir o senso de pertencimento e as raízes criadas e cultivadas no lar de origem.
A nova realidade dos paracatuenses
Com a assinatura do TTAC (Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta), em março de 2016, ficou estabelecida a obrigação legal de reparar e realocar os moradores do antigo subdistrito marianense. Em julho de 2019, começou a ser construído o reassentamento de Paracatu. Somente após mais de 4 anos, em dezembro de 2023 (segundo dados da Renova), as primeiras casas começaram a ser entregues aos familiares. Romeu Geraldo afirma que, ao todo, já são 35 famílias vivendo no local e, a expectativa, é de que nos próximos meses esse número chegue a 72 famílias.
Números que preocupam os moradores, dado que, com menos da metade dos habitantes essas quedas já têm ocorrido constantemente, a tendência é de que, com a chegada de mais pessoas ao local, a exigência sobre o fornecimento mais que duplique e, com isso, os problemas se tornem ainda mais constantes. É o que teme Romeu:
“É isso que é complicado, né? Porque ainda tem poucas pessoas morando aqui, e quando tiver todo mundo? O medo que a gente tem é esse. Hoje aqui está com menos de 50% de ocupação. Na hora que chegar a 100%, aí que não vai conseguir dar conta.”
Os moradores ainda denunciam tentativas em vão de contactar tanto a Cemig, companhia responsável pelo fornecimento de energia na região, quanto a Renova. Um exemplo disso, aconteceu após a primeira festa realizada no local, uma festa junina em que a luz caiu diversas vezes, como conta Raiane Rosália de Oliveira, 30, moradora local que atua representando a comunidade na fiscalização das obras da Fundação Renova:
“No mês passado, nós tivemos uma festa junina aqui, a energia apagou, sumiu umas quatro vezes. Aí todo mundo ficou desesperado, porque foi a primeira festa de Paracatu, estava cheio de gente, os moradores ficaram muito preocupados com isso.”
Moradores buscam respostas e soluções
Além disso, Raiane ainda cita a organização de um abaixo-assinado para ser entregue à companhia de energia, buscando explicações e uma solução para esse problema que vem se perdurando:
“Tem esse abaixo-assinado, um está comigo, outro com a outra menina, que estamos fazendo para nós olharmos isso, porque até agora nada. Nós pedimos para eles fazerem uma reunião para nós. A CEMIG fala que não pode, não marca um dia. Aí está nessa bagunça. Fica jogando um para o outro, Renova, CEMIG, Renova, CEMIG.”
A fim de reivindicar os seus direitos, no dia 29 de julho, segunda-feira, os moradores locais organizaram uma paralisação, com o intuito de conquistarem a solução que lhes é devida, impedindo que os funcionários contratados para a execução das obras da Renova acessassem o local. Ao entrar em contato com a Fundação Renova, o Jornal Lampião obteve o seguinte pronunciamento da instituição:
“A Fundação Renova informa que está em contato com a concessionária de energia elétrica para avaliação da situação e definição das medidas necessárias. A Fundação mantém diálogo com os moradores dos novos distritos e permanece dedicada ao trabalho de reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana -MG.”
A demora para uma resposta vinda diretamente da instituição responsável pela reparação dos danos causados pela barragem e, consequentemente, pela infraestrutura do reassentamento, incomoda muito os moradores, que se sentem deixados de lado por quem deveria ouvi-los. Como relata Luzia Nazaré Queiroz, membro da comissão de atingidos de Paracatu e, que até hoje, aguarda a entrega de sua casa:
“Eles são responsáveis pela água e pela luz. Eu acho que é muito pouco o que a gente está pedindo. A partir do momento que a gente não tem lazer, não tem cachoeira, não tem rio, não tem um córrego, não tem nada. Não tem árvore para fazer sombra, não tem árvore frutífera para comer nada lá.”
Enquanto os moradores de Paracatu se veem obrigados a se adaptar a uma nova vida e uma rotina completamente diferente da que viviam antes, o contínuo problema das quedas de energia evidencia uma falha na infraestrutura do reassentamento, dificultando ainda mais essa adaptação. Com a chegada das novas famílias, se o problema não estiver resolvido, a situação tende a se tornar ainda pior e, consequentemente, a pressão para solucionar essas questões deve aumentar. Portanto, os moradores reclamam que haja um planejamento melhor ou um reforço na rede elétrica do reassentamento, de modo que possam viver com a dignidade que necessitam e a que têm direito.
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