“Resgatar pra tentar resolver os problemas do presente, para, aí sim, ter um futuro”
- Juliana Souza e Milena Ribeiro
- 10 de fev.
- 6 min de leitura
Em entrevista, produtores audiovisuais contam suas trajetórias de conquistas e desafios nas cidades de Ouro Preto e Mariana

Rotina é se sentir atravessado pelo tempo. Mesmo com a pressa e a correria do dia a dia, é esse o sentimento constante de andar a pé nas ruas de Mariana e de Ouro Preto todos os dias. E vaguear pelo passado também abre espaço para o imaginário. Afinal de contas, “o que aconteceu aqui?”, “o que foi real, o que não foi?”. Sabemos que existe história, mas a história passa batida. A história é dada por vista. E é aí que o audiovisual surge: para guardar e lembrar. Ou melhor, fazer (re)existir.
A produtora Dragão Fantástico, fundada em 2020 em Mariana, surgiu do Teatro Dragão, que existe desde 2004. Seu objetivo é dar voz a histórias que permeiam o imaginário local, mas que raramente encontram espaço no audiovisual. Desde sua criação, a produtora tem se dedicado a curtas-metragens, documentários e iniciativas de formação, sempre valorizando a cultura e as narrativas locais.
Em janeiro, uma seleção de elenco para um filme da Dragão Fantástico, que será gravado em Mariana, causou curiosidade. Com mais de 80 inscrições, 26 participantes foram escolhidos para a próxima fase. No fim, quatro serão selecionados para os testes de atuação, que começam no dia 9 de fevereiro. Luciane Trevisan e Raed D’ Angelo, sócios da produtora, contam que o projeto foi aprovado pela Lei Paulo Gustavo.

Vocês poderiam contar sobre essa nova produção que foi contemplada pela Lei Paulo Gustavo?
Raed D’ Angelo: Então, o projeto A Noiva de Furquim foi aprovado na LPG [ele se refere à Lei Paulo Gustavo] de Mariana, na categoria de curta-metragem de 15 a 25 minutos.
Luciane Trevisan: Diz a lenda que um ônibus teve um acidente no Trevo de Furquim nos anos 1970. E, dentro do ônibus, tinha uma moça que ia se casar e faleceu. E, aí, alguém roubou a aliança dela. O corpo estava lá e alguém foi lá e tirou a aliança. Dizem que ela sempre volta pra buscar a aliança que roubaram dela.
Como é o público que se inscreve nas seleções de elenco de vocês?
Raed D’ Angelo: O foco é Ouro Preto e Mariana. Teve cinco a três pessoas de Belo Horizonte que procuraram. Priorizamos o pessoal daqui, até mesmo por causa de baixo orçamento e de logística mesmo. Então tem bastante gente de Mariana, Ouro Preto, dos distritos em geral.
Como vocês veem essa questão do cinema e do audiovisual aqui na região? Vocês recebem apoio para as suas produções?
Luciane Trevisan: Então, é muito difícil. Na verdade, eu acho que para todo o interior do Brasil, essa questão do audiovisual, e até de outros tipos de arte, como o teatro, as artes visuais e até a literatura mesmo. É muito difícil chegar a verba, o fomento. E é muito difícil sair daqui. A gente participou ativamente da implementação da Lei Paulo Gustavo aqui, que foi um sacrifício, uma luta. Havia uma tendência grande de premiar muitas pessoas com pouco dinheiro. E isso não desenvolve nada. Porque você precisa ter uma certa qualidade para chegar em algum lugar.

A Lei Paulo Gustavo trouxe um fôlego para o audiovisual em Mariana e tornou possível a viabilização de projetos que, antes, pareciam inalcançáveis. No total, foram dois editais que irão distribuir R$472.422,21 em áreas como curta metragem, animação, vídeo clipes, vídeos artes, manutenção em salas de cinema, escrita de roteiro, iniciativas artísticas e prêmios para agentes culturais. No entanto, os sócios da Dragão Fantástico ressaltaram que, apesar do avanço representado pelo incentivo, os valores disponibilizados não cobrem todas as necessidades, especialmente em relação aos equipamentos, às locações e ao pagamento adequado para as equipes envolvidas.
Artur Magalhães e Anthony Christian, produtores audiovisuais na região, também foram contemplados pela Lei Paulo Gustavo com um projeto audiovisual sobre o Vira Saia. Antônio Francisco Alves, o Vira Saia, também conhecido como o Robin Hood de Vila Rica, virava a saia dos santos nos oratórios para indicar aos seus comparsas a rota exata das carruagens de ouro que partiam para Portugal. Ele conhecia as rotas porque trabalhava na Casa da Moeda de Ouro Preto, como já foi contado recentemente em crônica produzida pelo Lampião. Enquanto alguns dizem que ele dividia o ouro com a comunidade, outros afirmam que ele ficava com tudo para si.
Durante a entrevista com Artur Magalhães, um detalhe curioso passou despercebido até o final da conversa. Desde o início, Artur mencionava repetidamente o nome “Christian” para se referir a um amigo e colega de trabalho na área do audiovisual em Ouro Preto, sempre citando suas ideias e perspectivas sobre o cinema local. Apenas nos últimos instantes da entrevista, ao agradecer pela participação, percebemos a coincidência: quando Artur mencionava Christian, referia-se a Anthony Christian, a fonte que iríamos entrevistar algumas horas mais tarde do mesmo dia. Os dois, além de colegas de profissão, dividem a mesma casa.
Para você, qual a importância de retratar essas histórias, como a desse projeto que você vai desenvolver agora?
Artur Magalhães: Eu acho que o Brasil, como um todo, é muito rico em histórias, em cultura, em música, em tudo. E tem muitas histórias que precisam ser contadas e não são. Resgatar isso é a gente entender a identidade das pessoas, entender o sentimento que as pessoas têm com aquele lugar. Entender o lugar, a geografia, a história, como esse lugar chegou pra ser o que é hoje. Entendendo o passado, a gente entende o presente também. A gente precisa resgatar para tentar resolver os problemas do presente, para, aí sim, ter um futuro.
Artur, como você vê o cenário aqui em Mariana e Ouro Preto, em relação ao incentivo para as produções audiovisuais?
Artur Magalhães: É um cenário que eu acho muito forte. Tem muita gente que trabalha com isso, o que movimenta pessoas e recursos. E é importante demais, ainda mais para uma cidade como Ouro Preto, que é histórica e tem tantas histórias que repercutem até hoje na cidade. Eu fico brincando que a gente fala “passa ali no Morro da Forca”, que era literalmente o morro que eles enforcavam as pessoas. “Vamos tomar uma ali no Bairro Cabeças”, que é onde as cabeças ficavam expostas. Então é muita história que a gente fala sem pensar que realmente são histórias bizarras. É bom essa cena do audiovisual relembrar isso, resgatar.

Christian, quais são suas expectativas para a produção cinematográfica e audiovisual nas cidades de Mariana e Ouro Preto?
Anthony Christian: Eu acho que tem uma potência muito grande aqui na região. Até porque é uma região que é importante também. Mas, em Mariana, a economia é fortemente liderada pela mineração, que é predatória. Uma mineração que pode acabar, e a cidade virar fantasma, né? Pode acontecer. Então, eu acho que o investimento em outras formas econômicas para essa região é uma emergência. Minha perspectiva é boa. Só que tem que ter muita luta. Até conseguir, realmente, transformar Ouro Preto e Mariana em cidades referência no cinema nacional. Mas cinema é muito difícil. Porque a gente tem pouco investimento, e a gente faz com o que dá.
Quais conselhos você daria para uma pessoa que quer começar no audiovisual na região?
Anthony Christian: Eu sempre falo em fazer. Porque é isso. Não é fácil. Audiovisual é uma profissão muito complexa.Tem uma limitação. Tem gente que fala que a ferramenta, a câmera, não é tudo. Mas, pô, faz diferença. Uma câmera faz diferença. Mas tem o celular. Eu, quando era mais novo, gastava onda com o celular, até realmente comprar a minha primeira câmera. Mas acho que tem que fazer. Tem que brincar, experimentar a linguagem. Fazer mesmo.

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