Implantação de Rede de Apoio à População em Situação de Rua entra em pauta em Ouro Preto
- Gustavo Sousa e Murilo Loredo
- 8 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de ago.
46ª edição
Ouça a notícia na íntegra:
Ausência de garantia de orçamento para a área agrava problemas.

No dia 25 de junho, foi realizada audiência pública com o objetivo de discutir os caminhos possíveis para a implantação de uma Rede de Atenção Intersetorial voltada às pessoas em situação de rua na cidade. O encontro, aberto à população, reuniu representantes da assistência social, saúde, do poder legislativo, de movimentos sociais e do Ministério Público.
Durante a audiência, foram abordadas questões como a ausência de um fluxo articulado entre os equipamentos comunitários, como o Centro POP, o Centro de Assistência Social (CRAS), as Unidades Básicas de Saúde (UBS), o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Centro de Referência de Assistência Social (CREAS). A falta de orçamento garantido por lei e as dificuldades operacionais dos equipamentos já existentes também foram ressaltados. Segundo Edvaldo César Rocha, Secretário de Desenvolvimento Social e Cidadania da Prefeitura de Ouro Preto, como a assistência social não possui um orçamento constitucionalmente assegurado, seu financiamento depende das prioridades de cada gestão municipal e pode ser alterado a qualquer momento, especialmente em momentos de crise e mudanças governamentais. Isso fragiliza ainda mais as ações voltadas à população em situação de rua, que acabam sendo financiadas dentro dessa verba já instável.
“Hoje a assistência social, ela vem de uma demanda muito alta com um orçamento inexistente. Nós temos o orçamento que nós fazemos, vem pra Câmara e é aprovado, mas ele é recurso próprio, e não têm nenhuma obrigatoriedade constitucional, se tiver algum problema no município, eles vão tirar. Então não nos garante uma política de médio prazo. Não posso assumir um compromisso à médio e longo prazo, que não é garantido por lei. É preciso ter responsabilidade, se a próxima gestão não concordar com o nosso orçamento, quem vai garantir que o serviço que está aberto vai continuar? Eu tenho que ter o orçamento garantido”, ressalta Edvaldo.
Um dos serviços diretamente ligados a essa população é o Centro POP de Ouro Preto, criado em novembro de 2022. De acordo com a assistente social do Centro, Luciana Silva, no último levantamento, realizado em fevereiro de 2025, o equipamento comunitário havia atendido um total de 610 pessoas desde a sua criação. Mesmo com esse número expressivo, o Centro apresenta limitações estruturais e falta de previsibilidade orçamentária. Ainda assim, a equipe ressalta que nenhuma atividade essencial deixou de ser realizada por conta disso.
“A gente não participa da definição do orçamento. Tudo vem da gestão, a gente não tem como saber quanto vem nem se vai vir igual no mês seguinte”, explica Luciana. Segundo ela, a alimentação é garantida com regularidade, mas itens como materiais de limpeza e higiene pessoal nem sempre chegam dentro do prazo. “Comida é fixa, vem certinho. Agora, material de limpeza, às vezes, atrasa”, completa.
Ainda assim, há entraves operacionais. O transporte, por exemplo, está disponível poucos dias na semana, o que limita ações em campo. “Se alguém liga dizendo que tem uma pessoa em situação de rua, nem sempre a gente consegue ir na hora. Só temos carro duas vezes por semana”, relata a assistente social.

Outro equipamento que atua diretamente no apoio a esse público é o CRAS, responsável por ações como fortalecimento de vínculos, análise de benefícios e encaminhamentos sociais. Assim como o Centro POP, o CRAS também passa por limitações estruturais, como a falta de uma sede adequada. “Essa casa aqui é totalmente improvisada. Viemos para cá na gestão do outro prefeito, e houve apenas uma reforma muito rápida. Ela é inadequada para o nosso tipo de trabalho”, afirma Maria de Fátima Baudson, coordenadora do CRAS Padre Faria.
Além disso, o número de funcionários é insuficiente para suprir a demanda de atendimentos e serviços que o centro recebe, o que compromete a qualidade e a abrangência do trabalho realizado. “Hoje o CRAS é mais procurado, não é igual antigamente, e nosso número de técnicos, pessoas que executam o serviço, é o mesmo”, completa a coordenadora.

Isadora de Paula, psicóloga do Centro POP, destaca que a ausência de dados consolidados sobre a população em situação de rua é um dos principais entraves enfrentados. “A gente tem controle do que passa por aqui, mas não sabemos quantas pessoas estão efetivamente nas ruas da cidade”. Já Maria de Fátima reforça que, por não existir um levantamento geral, muitos atendimentos feitos pelo CRAS acabam invisibilizados. “Às vezes a gente está acompanhando, está atendendo, mas como não tem um número oficial, fica parecendo que não se faz nada”, reitera.
Além da ausência de diagnóstico oficial, há ainda a complexidade para reconhecimento formal da situação de rua, o que impacta diretamente o acesso a políticas públicas. De acordo com a coordenadora do CRAS, para que uma pessoa tenha acesso a determinados benefícios assistenciais, é necessário comprovar que está em situação de rua há pelo menos seis meses. A exigência, segundo Maria de Fátima, visa dar segurança ao uso dos recursos públicos, mas acaba excluindo os casos mais recentes, muitas vezes aqueles que são mais vulneráveis.
Apesar dos esforços das equipes, a rede intersetorial ainda funciona de forma informal em Ouro Preto, com articulações que partem, principalmente, da iniciativa dos próprios profissionais. A ausência de um planejamento institucionalizado e contínuo, segundo as equipes, compromete o acompanhamento de longo prazo e sobrecarrega os profissionais, que precisam compensar as lacunas estruturais com iniciativas próprias.
No Centro POP, a assistente social Luciana Silva explica que a comunicação com outros serviços acontece de maneira espontânea, por meio de contatos diretos entre os técnicos. “A rede já existe, mas é tudo muito orgânico. A gente se fala, a gente se liga. Não tem uma agenda institucional nem um protocolo formal”. Segundo ela, essa informalidade não impede que o trabalho aconteça, mas dificulta a consolidação de fluxos contínuos de cuidado e a definição clara das responsabilidades de cada setor.
No CRAS Padre Faria, a situação se repete. A coordenadora relata que os esforços de integração com outros serviços, como CAPS, CAPS IJ, PSF e Conselho Tutelar, também nascem do empenho individual dos trabalhadores. “Ontem mesmo a gente se reuniu com esses serviços. Foi um chamamento deles. Estamos tentando marcar reuniões periódicas para fortalecer essa rede. Isso tudo parte da gente, né?”, afirma.
Para os equipamentos comunitários, a audiência pública representou um passo importante no reconhecimento das fragilidades existentes e na mobilização de diferentes setores em torno da necessidade de formalizar e fortalecer a rede de atenção à população em situação de rua. No entanto, para que avanços concretos aconteçam, será preciso transformar as iniciativas isoladas em compromissos institucionais, com planejamento, orçamento estável e fluxos intersetoriais bem definidos. Enquanto isso não ocorre, a permanência da informalidade continuará exigindo dos profissionais uma atuação que vai além de suas atribuições.
A equipe de reportagem do Jornal Lampião procurou a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria de Assistência Social e Cidadania para comentar sobre as pautas abordadas na audiência pública, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
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