Responsabilização da BHP em Londres reacende esperanças de uma reparação justa
- Danielle Leal e Milene Latarulo
- há 3 dias
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Encontro entre as comunidades atingidas de Mariana e advogados associados e parceiros do escritório britânico Pogust Goodhead apresentou novidades e esclarecimentos sobre o andamento do julgamento da BHP na Inglaterra.

Na última terça-feira, 25 de novembro, aconteceu na Arena Mariana a reunião das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão com alguns sócios do escritório inglês Pogust Goodhead e advogados brasileiros parceiros que atuam na causa contra a BHP na justiça inglesa. O objetivo era aprofundar as informações e esclarecer dúvidas sobre a decisão judicial que responsabilizou a BHP pelo desastre/crime da barragem de Fundão, pertencente também à Vale e à Samarco.
O Tribunal Superior de Londres concluiu a etapa de responsabilização do julgamento em curso, no dia 14 de novembro desse ano, declarando a mineradora BHP como culpada pelo rompimento de Fundão, a partir do reconhecimento de falhas de supervisão, controle e gestão de riscos por parte da empresa, consideradas determinantes para que o desastre ocorresse. A decisão também reafirma que o crime provocou danos sociais, ambientais e econômicos profundos e contínuos, afetando diretamente os moradores ao longo de toda a Bacia do Rio Doce. A sentença é considerada histórica não só pelo número de requerentes, cerca de 620 mil pessoas, e montante financeiro previsto pela causa, R$230 bilhões, mas também por ser a primeira vez que uma das maiores mineradoras do mundo é responsabilizada em escala internacional pelo desastre.
Os desdobramentos na justiça inglesa
Em 2018, diante da lentidão da justiça brasileira, comunidades atingidas de Minas Gerais e do Espírito Santo, povos indígenas, quilombolas, municípios desses estados, instituições religiosas decidiram lutar por uma reparação justa e completa na Inglaterra, sede à época de uma das empresas responsáveis pelo crime da Samarco, a anglo-australiana BHP. Foi a partir daí que se iniciou a ação judicial em Londres, conduzida pelo escritório Pogust Goodhead. Cerca de quatro anos depois, em 2022, a primeira vitória foi conquistada. A Corte inglesa decidiu que deveria julgar o caso naquele país, pois a BHP era uma empresa sediada na Inglaterra e que estava listada na Bolsa de Londres quando ocorreu o rompimento de Fundão.
Em junho de 2023, a BHP tentou bloquear a ação judicial do Pogust Goodhead na Inglaterra, porém foi derrotada, quando a Suprema Corte do Reino Unido recusou a permissão para apelação da empresa. Entre os meses de outubro de 2024 e março de 2025 aconteceu o julgamento de responsabilidade, que culminou com a decisão judicial do dia 14 de novembro desse ano, quando a BHP foi então declarada culpada pelo desastre minerário.
O Pogust Goodhead é um escritório de advocacia inglês, com sede na capital do país, Londres, que após o caso do desastre/crime ocorrido em Mariana, iniciou uma parceria com escritórios e advogados do Brasil para compor uma equipe global e multidisciplinar composta por profissionais do Reino Unido, Brasil e EUA. O escritório representa 620 mil clientes na ação contra a BHP, dentre os quais estão 31 municípios, e centenas de instituições como Saneouro, Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Mariana (SAAE), uma arquidiocese católica, entre outras. Além disso, são aproximadamente dois mil advogados colaboradores brasileiros distribuídos pelo Rio Doce que atuam junto aos atingidos de suas regiões.
Felipe Hotta, advogado ambiental brasileiro sócio do Pogust Goodhead explica um pouco sobre como funciona a comunicação do escritório com as pessoas. “Existe toda uma triangulação entre vários escritórios e vários advogados, justamente para garantir que a comunicação seja realmente efetiva e que não dependa apenas da comunicação em inglês, que tem a dificuldade cultural e da língua [para ser acessada pelos clientes brasileiros]”. Felipe ainda destaca que os clientes possuem contato para atendimento via Call Center com o escritório, que funciona como um canal direto entre a Pogust e os atingidos. Caso precisem de mais informações, também é possível procurar seus advogados brasileiros, nos centros de atendimento presenciais localizados pela Bacia do Rio Doce ou consultar o site oficial do caso. “Eles estarão sempre à disposição para atender os atingidos que fazem parte dos processos inglês e holandês.”, conclui Hotta.

A advogada Cíntia Ribeiro, Coordenadora do caso Mariana no Brasil, explica sobre onde buscar e como se dão as trocas de informações sobre o caso. “As principais informações estão no site e lá tem uma área com perguntas e respostas, um FAQ. Além disso, as pessoas que são clientes da ação têm acesso a um portal específico, um portal do cliente, no qual podem consultar informações usando o próprio CPF [...] Mas o principal meio de comunicação tanto com os advogados quanto com os clientes é o e-mail.”

Encontro com os atingidos
O evento da última terça-feira (25) com o Pogust Goodhead foi organizado pela Prefeitura de Mariana Aberto ao público em geral, teve início às 16h20 na Arena Mariana. A reunião contou com uma mesa composta pelo Prefeito da cidade, Juliano Duarte, seu irmão e ex-prefeito de Mariana, Duarte Júnior, o sócio inglês do Pogust e advogado que representa os requerentes nos Tribunais Superiores da Inglaterra, Guy Robson, dois advogados brasileiros que coordenam equipes no Brasil, Cíntia Ribeiro e Bernardo Campomizzi, dois representantes da Comissão de Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF), Mauro Silva e Mônica Santos, além de outras autoridades como o Prefeito de Naque-MG, o Secretário executivo do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (CORIDOCE) e representante da Câmara Legislativa de Mariana.
A responsabilização da BHP foi a primeira etapa do processo após ser admitido pela Corte Inglesa. Agora, a mineradora tem 21 dias para solicitar permissão à juíza do caso, Finola O’Farrell, para recorrer da decisão, já que no sistema inglês o direito de apelar não é automático. Após isso, o caso segue para a segunda fase dedicada à avaliação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale e BHP (Samarco), etapa que definirá critérios, categorias e provas dos prejuízos sofridos pelos atingidos. Uma Audiência de Gerenciamento de Caso já está marcada para os dias 17 e 18 de dezembro de 2025, quando serão definidos detalhes dessa nova fase, cujo julgamento está previsto para ser concluído em outubro de 2026. Guy Robson, advogado com direito de representação nos Tribunais Superiores da Inglaterra e do País de Gales fala sobre a importância das pessoas atingidas estarem atentas ao escritório nessa etapa: “Se os senhores forem contactados por nós para fornecer mais informações sobre os danos sofridos é essencial que, por favor, forneçam essas informações.”

Para o Prefeito Juliano Duarte, que tem sido uma voz atuante no caso de Mariana, a causa em Londres pode trazer uma reparação mais justa e próxima à real dimensão dos danos sofridos pelo município. Juliano tem criticado o Acordo de Reparação do Rio Doce, assinado no Brasil em novembro de 2025, construído sem a participação efetiva dos municípios, aponta ele.
Para entender sobre a repactuação Lampião - Reparação "fantasiosa" e sem a voz das comunidades
Juliano detalha que "A reparação no Brasil ofereceu para Mariana menos de 1% do valor total da Repactuação, que é de 170 bilhões. Foi nos oferecido 1 bilhão e 200 milhões, a serem pagos em 20 anos, sendo uma parcela por ano. No processo em Londres, o valor total global que nós pleiteamos é de 28 bilhões de reais. É infinitamente superior, e ainda não se trata de um pagamento em 20 anos, como o que foi oferecido aqui."

A persistência de quem luta há 10 anos por justiça
A esperança dos atingidos diante da decisão judicial é evidente, isso ficou muito claro durante a reunião do dia 25. Geraldo Agnaldo de Mello chegou enrolado em sua bandeira do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e não a largou em nenhum minuto. “O MAB foi uma peça muito importante na nossa vida”, destaca.

Geraldo mora em Águas Claras, distrito de Mariana, e segundo o que nos contou foi fortemente atingido pelo rompimento. Ele é apicultor e depois de 2015 foi forçado a parar de trabalhar, pois a lama contaminou suas terras e a produção de suas abelhas. “As colmeias das regiões de Ponte do Gama, Paracatu, Paracatu de Baixo, Pedras, Campinas e Borba de Esteira, onde eu trabalhava, também foram afetadas. Águas Claras é a minha casa de mel, e eu fiquei sem trabalho [...] Hoje, a gente está tendo uma vitória, uma comunicação com os atingidos, e temos muito o que comemorar ", relatou.
Mauro Silva é de Bento Rodrigues, integrante da Comissão dos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF) e estava presente na mesa representando a sua comunidade de Bento Rodrigues e a região de Mariana. Em seu discurso Mauro pontuou: “Como todos disseram, hoje é uma data emblemática. Não poderia deixar de voltar no passado. Aqui [Arena Mariana] há 10 anos e 20 dias atrás, esse local estava repleto de colchões esperando os atingidos de Bento e Paracatu chegarem [ele refere-se ao dia do rompimento e ao local que a prefeitura preparou para receber os desabrigados]”.
Mauro olha para a situação atual com muito otimismo, estimulando todos os presentes a acreditar e continuar firmes e unidos com o propósito de buscar uma reparação justa. Depois de 10 anos de luta essa vitória nos tribunais ingleses parece reacender a confiança no que está por vir: “Em outubro de 2026, ocorrerá o julgamento dessa segunda fase, e temos quase certeza absoluta de que mais uma vez seremos vitoriosos.










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