Com 135 anos de atraso, Ouro Preto inicia obras para tratar esgoto na sede
- Artur Corrêa e Sofia Mosqueira
- há 1 dia
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Atualizado: há 6 horas
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Nova estação de esgoto prevê avanços no saneamento básico da cidade, mas não tem data certa para o início do tratamento e não supre as necessidades do município.

Sancionada em 2020, a Lei Federal nº 14.026, chamada de novo Marco Legal do Saneamento, estabelece que, até o dia 31 de dezembro de 2033, 90% da população brasileira tenha acesso garantido à coleta e tratamento de esgoto. Para o cumprimento da meta, é necessário que os municípios e prefeituras se mobilizem. Em Ouro Preto, a Prefeitura e a Saneouro apostam no avanço no saneamento básico do município através da construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Osso de Boi.
Segundo o secretário adjunto de Água e Esgoto, Narciso Gonçalves, durante a gestão municipal de 2009 a 2012, foram captados recursos financeiros para a construção da referida Estação, entretanto, o empreendimento foi posteriormente descontinuado pelas gestões que o sucederam. A chegada da Saneouro, concessionária que desde 2020 é responsável pelo serviço na cidade, veio com a obrigação da empresa implantar e operar o sistema de esgotamento sanitário, além da construção e conclusão da ETE Osso de Boi, que atenderá a sede do município. Assim, a obra foi retomada e está sendo desenvolvida neste momento em razão das obrigações contratuais vigentes, sem participação financeira direta da Prefeitura.
O secretário acrescenta que a Prefeitura possui competência para aplicar penalidades à concessionária em caso de descumprimento de prazos, cronogramas e obrigações de desempenho ou critérios técnicos exigidos.
O Plano de Saneamento Básico Municipal, publicado em 2013, antes portanto do atual Marco Legal do Saneamento no país, já mencionava a ETE Osso de Boi. Até a promulgação do Plano, a obra, que teve início em 2010, encontrava-se paralisada, com apenas 35% do que estava previsto pelo projeto concluído. A situação permaneceu assim até outubro de 2024, quando a Saneouro anunciou o lançamento da pedra fundamental da Estação. O anúncio veio com a promessa de tratar 100% do esgoto coletado na sede do município de Ouro Preto ao final da segunda etapa de implantação.
A previsão é de que as obras durem, no total, 18 meses. Embora a pedra fundamental tenha sido inaugurada em outubro de 2024, a retomada da construção foi iniciada somente em março deste ano. No mês passado (novembro) a Saneouro anunciou que 40% das obras de sua responsabilidade haviam sido concluídas. Esse valor se refere ao novo projeto da Estação realizado pela empresa e não possui relação com os 35% relatados na obra de 2010.
O investimento total previsto na estação é de R$36,5 milhões, fora a estrutura de implantação de redes, estações elevatórias e interceptores, e com todos os recursos financiados pela concessionária. A previsão é que a unidade terá capacidade média de tratar 125 litros de esgoto por segundo, e a expectativa é de que a primeira etapa, das obras, referente a construção da ETE, seja entregue até julho de 2026. A estação também funcionará como Epar (Estação de Água de Reúso), o que permite purificar efluentes para uso em atividades como limpeza de solos e estradas, apagamento de incêndios e outros processos. Segundo a secretaria, os próximos passos serão a construção dos interceptores (canos que captam o esgoto que cai no rio), no entanto, a empresa ainda não obteve a liberação da licença ambiental pelos órgãos estaduais, não podendo ser efetivada. O site da concessionária também não explica quanto tempo será necessário para a conclusão total do empreendimento.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SINISA) de 2024, 70,19% da população total do município é atendida pela coleta de esgoto, o que corresponde à 53.046 habitantes, resultando em uma defasagem de 29,8% e um índice de coleta de esgotos de 49,9%, que leva em consideração o volume de esgoto coletado comparado ao volume total gerado pelo município. Até 2025, a ETE no distrito de São Bartolomeu era a única em Ouro Preto, onde era tratado cerca de 0,67% de todo o esgoto coletado no município, com capacidade de tratamento de 1.2l/s.
No final de agosto deste ano, a Prefeitura de Ouro Preto reinaugurou a ETE Parque da Lagoa, inativa desde 2014. O projeto promete beneficiar 2.280 moradores de um dos bairros do distrito de Cachoeira do Campo, o bairro Parque da Lagoa. Dados posteriores à sua construção, apresentam o quantitativo de 34,80 mil m³ de esgoto tratado no município, o que representava um índice de 0,8% de tratamento de esgoto referido à água consumida. Com o início das operações, o índice atual do esgoto tratado no município passa de 0,67% para 2,69%. No entanto, junto com o serviço, surgiram também reclamações da população local. Moradores desse bairro, que preferiram não se identificar, relatam que, desde então, o mau cheiro perto das locações piorou muito, e as tarifas cobradas pela Saneouro, só aumentaram.
As cobranças chegam antes dos benefícios
Em relação às tarifas, segundo estudos do Consórcio Regional de Saneamento Básico (CONSANE), de 2024, 52,8% dos moradores do município disseram que pagam para ter esgotamento sanitário, enquanto 19,8% não souberam responder. Essa é uma reclamação frequente sobre a Saneouro, apesar de não tratar o esgoto, muitos reclamam que são cobrados da tarifa. No site da empresa, e em matérias jornalísticas, a concessionária explica que existe uma diferença nas tarifas: o que os moradores pagam é o EDC (esgoto dinâmico coletado), referente à coleta de esgoto, que é calculada de acordo com o consumo de m³ de água por família. A tarifa de tratamento é chamada EDT (esgoto dinâmico tratado), que segundo a empresa, só é cobrada em São Bartolomeu e Cachoeira do Campo, onde o serviço é realizado.
Apesar da explicação, moradores como Alisson Teixeira reclamam da cobrança do EDC, já que, o esgoto coletado segue sendo jogado nos córregos da cidade, que desaguam em diversos rios e afluentes importantes do Rio das Velhas. “Cobram da gente a taxa de esgoto, se eu não me engano, acho que são R$28 de taxa de esgoto, e o esgoto é jogado no rio” relata indignado. Sobre a declaração, a Secretaria de Esgoto e Água respondeu que a tarifa cobrada corresponde à coleta de esgoto, e que posteriormente às obras, haverá a cobrança da EDT. Segundo o site da Saneouro o valor cobrado na categoria residencial é de R$3,245/ m³ para casas que consomem de 10 a 15m³ mensais.

Os dados revelam, que mesmo que a ETE em construção trate 100% do esgoto coletado na sede, esse número não contempla todo o esgoto do município. Em matéria da Saneouro, a empresa se refere aos 100% como equivalente a 40% desse total. Sobre essa estimativa, o secretário adjunto de Água e Esgoto explica:
“O percentual de 60% corresponde às demais áreas inseridas no território da concessão, abrangendo tanto o perímetro urbano quanto às áreas classificadas como de expansão urbana no Município de Ouro Preto. Essas regiões serão gradualmente atendidas de acordo com as metas e fases previstas no contrato de concessão, que estabelece obrigações específicas de universalização do serviço de esgotamento sanitário. Assim, o atendimento será ampliado de forma progressiva, contemplando a execução de redes coletoras, interceptores, estações de bombeamento e unidades de tratamento necessárias para assegurar que todo o esgoto coletado receba o devido tratamento conforme os padrões exigidos pela legislação ambiental”.
Sobre as obras nestas demais áreas, o secretário acrescenta que estas serão realizadas prioritariamente pensando nas áreas mais densamente povoadas, já que a carência e a demanda, nesses lugares, é maior. Sobre as datas, ele declara que “serão realizadas durante os prazos previstos em contrato” e ainda reafirma que o início das obras dependem da autorização do Estado, devido ao Licenciamento Ambiental.
Benefícios para o meio ambiente e a população
Outra promessa que acompanha o projeto é a de despoluição do rio Ribeirão Funil. De acordo com Narciso, a despoluição acontece ao interromper o lançamento de efluentes no curso d’água. Com o tratamento adequado, o esgoto passa a atender aos parâmetros definidos pela legislação ambiental, reduzindo significativamente a carga orgânica e os contaminantes despejados no rio. Dessa forma, a solução desse problema, em relação à situação atual do esgoto em Ouro Preto, representa para o secretário de Água e Esgoto, um avanço estrutural para o município, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e para a preservação dos recursos hídricos. Ainda segundo ele, além disso o projeto promove a valorização imobiliária, o fomento ao turismo e atividades econômicas e uma melhora na qualidade de vida da população.
Ele ressalta também que, além das melhorias citadas, toda a bacia hidrográfica e as cidades localizadas abaixo do município de Ouro Preto serão beneficiadas, já que não terão mais o esgoto lançado aqui.
Na avaliação do professor Paulo Vieira, docente do curso de Engenharia Urbana, na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), os benefícios também são diretos para a saúde da população. “Então o primeiro ponto de importância para a sociedade quanto a saúde pública, é nos proteger né? De não nos contaminar com essa poluição que tem na água e que possa nos atingir, tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de vista químico”, completa Paulo.
O professor alerta ainda para os riscos provocados pela falta de tratamento adequado dos resíduos: “É pelo esgoto que a gente vai transportar boa parte de micro-organismos como vírus, bactérias e protozoários, que naquele momento, podem estar como hospedeiros de algumas enfermidades. Podemos ter problemas de saúde mais graves devido a esse contato com essa água poluída, como por exemplo hepatite, meningite, poliomielite, são vírus que são transmitidos por essa água”, explica.
Atraso de 136 anos e descontentamentos históricos
Ouro Preto foi uma das primeiras cidades no Brasil a ter tratamento de esgoto. Estudos realizados pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) revelam que apenas no Rio de Janeiro são encontrados sistemas antecedentes aos ouro-pretanos. A realidade atual, no entanto, revela que, para além da interrupção do avanço desse fato histórico, houve um retrocesso no esgotamento ao longo dos anos.
A antiga estação de tratamento de esgoto, construída em 1890, apesar do tempo de sua construção e da inatividade, ainda pode ser vista em Ouro Preto. No estreito Beco da Mãe Chica, no bairro conhecido como Barra, as casas dividem espaço com as tubulações do que é considerada a ETE mais antiga de Minas Gerais, segundo artigo de Alberto Fonseca e José Prado. Construída pela necessidade de modernização, no que até então era a capital da província, ela buscava diminuir os problemas de saneamento básico, que se agravavam pela ocupação desordenada da cidade.
Moradores vizinhos da ETE relatam insatisfação com a realidade em que vivem, marcada pelo que entendem como um contexto de insalubridade, descaso e mau cheiro.

Dona Raimunda, moradora do bairro há mais de 84 anos, nasceu e cresceu na mesma casa em que vive até hoje. O seu imóvel compartilha o quintal com os destroços da antiga estação de tratamento de esgoto, construída em 1890. Segundo ela, a situação só piorou com o passar do tempo e impacta diretamente a rotina da família. Dona Raimunda afirma que já fez inúmeras solicitações de atendimento tanto para a Saneouro, para que limpe a caixa de esgoto, quanto para a Prefeitura, em busca de providências que interrompam o despejo de dejetos no rio que corta o terreno.“Eles só vêm para olhar o relógio. Já pedi muitas vezes, a gente telefona, peço eles, mas nunca vieram.”, completa.
As expectativas dela para a solução do problema são baixas, diante dos vários anos de promessas não cumpridas. “Isso aí eu não tenho fé mais não. Tem anos que eu tô ouvindo falar, minha mãe ainda era viva, ela morreu com 90 anos e falaram que iam tirar tudo daqui”, relata desesperançosa.
Além da falta de retorno da Saneouro, concessionária responsável pelo esgotamento sanitário de Ouro Preto, a família de Dona Raimunda também reclama da ausência de vistorias da Prefeitura no terreno onde fica a antiga estação. O quintal, cortado por um curso d’água, se torna um depósito de dejetos provenientes do esgoto lançado no rio. No período de chuvas, o terreno fica alagado e acaba intensificando a poluição do espaço.

A falta de capina e de desinfecção do solo acabam virando um transtorno para que a família utilize o terreno integralmente para o cultivo de frutas e hortaliças. O marido de Dona Raimunda, seu Arnaldo, de 81 anos, relata que precisa manter a limpeza do local por conta própria, capinando não só o seu quintal mas também a área pública da margem do rio, retirando resíduos de suas margens, justamente o ponto onde os dejetos são despejados.“É o descaso da prefeitura, é obrigação dela limpar isso tudo aqui. Quem limpa tudo isso sou eu, e a prefeitura nunca me deu nada por isso. Eu entrava lá pra dentro (do rio) e limpava esse trem tudo. Isso é obrigação deles.”

Seguindo o curso do rio Ribeirão do Funil, o comerciante Alisson Teixeira comenta que ninguém aguenta o mau cheiro e a grande incidência de ratos causada pelo esgoto que rodeia seu armazém. Insatisfeito com o trabalho da Saneouro na cidade, Alisson acha que a nova ETE não ficará pronta dentro do prazo e muito menos vai solucionar o problema gerado pelo esgotamento. “Olha, eu acho que não fica pronto dentro de 10 anos não, porque tudo isso aqui é bagunçado, tem muita coisa errada. Até canalizar direitinho, colocar todo mundo 100%, vai demorar muitos anos, isso aí é fato”.


Os relatos dos ouropretanos que vivem nessa região evidenciam os impactos do esgoto que, segundo eles, sem tratamento, segue causando transtornos ao cotidiano da população. Parte desse grupo diz já não ter esperança na melhora da situação. Isso, especialmente, porque persistem até hoje questões historicamente não resolvidas, ligadas ao esgotamento na cidade, que são evidenciadas pelo lançamento do esgoto no rio há mais de um século. No entanto, a regulamentação no contrato de concessão, a construção de uma nova ETE e, principalmente, a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico podem representar um avanço importante no tratamento de esgoto em Ouro Preto, com prazos e expectativas de melhora para o futuro da população definidos em contrato. Resta ao poder público acompanhar e fiscalizar e à concessionária cumprir o que acordou a contento.
A Saneouro foi consultada desde o início da produção dessa matéria, no dia 3 de dezembro, mas não respondeu a nenhuma das questões enviadas até o dia de conclusão da reportagem, em 11 de dezembro. Nem mesmo às que diziam respeito a esclarecimentos relacionados à transparência e interesse público, como quais bairros serão beneficiados pelas obras ou quando a ETE entra de fato em funcionamento.
















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