Mariana é cadastrada no programa federal “Minha Casa, Minha Vida” em contexto de déficit habitacional na cidade
- Ana Rodrigues e Cecília Caetano
- 18 de jul.
- 6 min de leitura
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Pela primeira vez, o município de Mariana (MG) foi habilitado no programa federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV), com previsão de até 200 moradias gratuitas para famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico. O anúncio ocorreu após a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à cidade no mês passado, quando o prefeito Juliano Duarte destacou que Mariana ainda não havia sido contemplada pelo programa, pois o município enfrentava dificuldades burocráticas em gestões anteriores para ingressar no programa habitacional. Agora, a cidade conseguiu cumprir todas as etapas exigidas para adesão.
As unidades pleiteadas fazem parte da Faixa 1 do MCMV, voltada a famílias em situação de vulnerabilidade social, com renda familiar bruta mensal de até R$2.850,00. Nessa modalidade, as moradias são 100% subsidiadas pelo governo, ou seja, sem custos para os beneficiários. A prefeitura já conta com a adesão à Faixa 2 do programa, apesar de ainda não ter sido confirmada, que contempla famílias com renda entre R$2.850,01 e R$4.700,00, oferecendo subsídios parciais e condições facilitadas de financiamento. Com as duas faixas, Mariana seria contemplada com mais de 500 moradias, sem contar o Minha Casa, Minha Vida Rural que será implementado em distritos.
Coordenado pelo Ministério das Cidades, o Minha Casa, Minha Vida é a principal política de habitação do governo federal e tem como objetivo diminuir o déficit habitacional por meio de subsídios e juros reduzidos para aquisição de moradias em áreas urbanas e rurais. Desde sua criação, mais de 6 milhões de habitações foram entregues pelo Brasil, segundo dados de 2023.
O déficit habitacional ocorre quando a oferta de moradias, seja em quantidade ou qualidade, não atende à demanda da população. É entendido como déficit tanto a falta de moradia quanto à falta de infraestrutura básica, casas superlotadas ou com aluguel muito caro. Em 2022, o Brasil registrou 6,2 milhões de domicílios nessa situação, o que representa 8,3% das habitações ocupadas, segundo a Fundação João Pinheiro. Minas Gerais está entre os estados com os maiores índices de déficit habitacional, reforçando a importância de políticas públicas como o Minha Casa, Minha Vida para ampliar o acesso à moradia digna.
O secretário de Habitação e Zeladoria, Antônio Marcos Ramos de Freitas, pontua que o déficit habitacional em Mariana se enquadra nos dois aspectos citados: a falta de moradias e a precariedade das casas existentes.

Localidade das unidades habitacionais
Segundo o secretário Freitas, as unidades do programa Minha Casa, Minha Vida serão construídas em uma área próxima ao bairro São Cristóvão, onde anteriormente estava prevista a implantação do loteamento Vila Real. Ele afirma que o local já possui quadras demarcadas, passará por asfaltamento e será atendido por linhas de ônibus, além de estar próximo a mercados e posto de saúde. A expectativa da prefeitura é viabilizar ali quase 500 apartamentos, somando as moradias das faixas 1 e 2 do programa.
A escolha do local onde serão construídas as novas unidades habitacionais é uma etapa crucial para o sucesso do programa em Mariana. Para o urbanista e professor da UFOP, Christiano Ottoni Carvalho, projetos como o Minha Casa, Minha Vida muitas vezes falham ao priorizar áreas distantes do centro, o que compromete a rotina e a autonomia dos moradores. “O sujeito tem poucos horários de ônibus, ainda que gratuitos, e fica restrito. Às vezes, ele sai do trabalho, esquece de comprar algo simples, e só consegue resolver isso no dia seguinte”, explica.
Além do custo de tempo e da mobilidade, Ottoni chama atenção para o risco de se repetir uma lógica histórica de exclusão urbana: “É melhor colocar essa população em localizações bem servidas, próximas a comércio, escola, saúde e transporte, mesmo que não se entregue uma casa totalmente pronta”. A má localização, segundo ele, pode levar inclusive à devolução dos imóveis e ao retorno de famílias a áreas irregulares, onde têm acesso mais fácil ao que precisam no dia a dia.
Weslley Rodrigues, que já viveu no Bairro São Gonçalo e na ocupação Chico Rey, reforça que o desenho urbano da cidade é historicamente excludente e ainda hoje leva os mais pobres para as margens. “Mariana é uma cidade planejada, mas planejada para quem? Para a coroa, para a elite. Os trabalhadores e descendentes de pessoas escravizadas foram ocupando as encostas, as periferias. Isso vem desde a fundação da cidade”, pontua. Para ele, as pessoas não moram em ocupações por escolha, mas porque o centro histórico e os bairros próximos são inviáveis para famílias de baixa renda. De acordo com Weslley, a falta de uma política habitacional contínua e de um movimento social estruturado amplia o abandono dessas populações. “Em Mariana, você não tem organizações como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) de Ouro Preto, por exemplo. As ocupações aqui crescem de forma desordenada, sem assembleia, sem proteção, e muitas vezes caem na mão de grileiros ou pessoas de má fé”, disse.
Em Mariana, a Secretaria de Habitação foi instituída em janeiro de 2025 e a estrutura ainda não dá conta das demandas acumuladas. Antes era um setor vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social, que já chegou a ser subordinada à Secretaria de Governo. A nova secretaria ficou responsável por programas como o aluguel social, que atualmente reavalia os cadastros das famílias beneficiadas. No entanto, o auxílio não atende à realidade imobiliária da cidade. “Não é possível pagar um aluguel de R$ 800 com um auxílio de R$ 300. O povo fica sem saída e é empurrado para as ocupações irregulares, que se multiplicam de forma desordenada”, conta Weslley.
Segundo a professora do departamento de Serviço Social da UFOP, Kathiuça Bertollo, o fluxo migratório desencadeado pela mineração intensifica o déficit habitacional. A professora enfatiza que esse fluxo contribui para o crescimento populacional e eleva a demanda por políticas públicas, à medida que os empregos, muitas vezes, não são garantidos ou estáveis, e parte dessa população flutuante permanece na cidade mesmo após o término do contrato que intensifica os índices de desemprego e eleva a demanda por políticas públicas e sociais. Kathiuça Bertollo ressalta que “o fluxo migratório desencadeado pela mineração, ele é muito explícito, intenso. Ele traz o que nós no Serviço Social chamamos de expressões da questão social.”
Com dados de levantamentos das Secretarias do município de Mariana, estima-se que a população flutuante da cidade, incluindo trabalhadores e estudantes, esteja próxima a 35 mil habitantes excedentes em 2023. O último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2022, calculou 61.387 habitantes no município, sem incluir a população flutuante. Cálculos realizados pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Mariana, conforme apuração feita pelo Lampião em 2023, estimam mais de 97 mil habitantes no município, com base nos resíduos sólidos coletados. A mesma apuração mostra que a cidade tem mais de 90 mil cartões do SUS cadastrados, com base em cadastros das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e da Policlínica.

Qualidade de Vida
Mariana atualmente tem as ocupações: Vila Serrinha, Cristal, Jardim dos Inconfidentes, Santa Clara, Novo Horizonte e Morada do Sol. O bairro Alto Rosário, passou em 2024 pelo processo de Regularização Fundiária Urbana, o REURB, um programa nacional que visa regularizar as áreas ocupadas de forma irregular. O objetivo do programa é que os moradores passem a ter a posse legal do imóvel, recebam documentação oficial, como escritura e comprovante de residência. Isso é fundamental, por exemplo, para acessar serviços de saúde e matricular os filhos na escola. A cidade contém 5 mil moradias irregulares, de acordo com Ana Cristina Maia, oficial de registro de imóveis de Mariana.
De acordo com a arquiteta Karla Sabino, da Secretaria de Obras e Gestão Urbana de Mariana, os projetos de habitação social, quando bem planejados, podem influenciar positivamente a cidade. "Esses projetos permitem a criação de espaços com infraestrutura adequada para determinada população, incluindo a presença de equipamentos urbanos e coletivos que garantam qualidade de vida à comunidade", destaca.
Karla enfatiza que os primeiros passos para transformar ocupações precárias em comunidades planejadas, além do Minha Casa Minha Vida, seriam o “diagnóstico da área e da população ocupante para planejamento adequado das etapas de regularização, visando a melhoria da qualidade de vida a partir de intervenções no local ou através do reassentamento da população”. Além disso, o acesso digno de moradia a qualquer indivíduo é previsto na lei artigo 6º da Constituição de 1988.


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