Os custos do transporte público em Mariana e Ouro Preto
- Ana Xavier e Sabrine Varjão
- 21 de jul.
- 5 min de leitura
Ouça a notícia na íntegra:
Enquanto Mariana banca o custo integral do transporte coletivo com o programa Tarifa Zero, Ouro Preto adota uma tarifa única de R$ 2, com subsídio parcial.

Desde o dia 8 de julho de 2025, Ouro Preto passou a operar com tarifa única de R$ 2 em todo o transporte coletivo municipal. A medida, prevista no Decreto nº 8.908/2025, garante que o valor seja aplicado tanto para os trajetos urbanos quanto para os distritais.
Na coletiva de imprensa em que anunciou o decreto da tarifa única na cidade, o prefeito do município, Ângelo Oswaldo (PV), comparou o novo modelo implantado com o modelo marianense e disse que “Mariana está com uma dívida acumulada dessa tarifa, com os ônibus lotados e os usuários reclamando, porque não é uma experiência exitosa.”
Por outro lado, o atual prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), argumenta que a superlotação não se trata de uma questão exclusiva do modelo adotado. “Em relação à superlotação é muito importante dizer que até em municípios com tarifa paga, em horários de pico é comum ter”, afirmou o prefeito, em entrevista ao Lampião.
Como aponta Getúlio Alves de Souza Matos, professor do Departamento de Gestão Pública da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), a escolha entre os modelos não é apenas técnica, mas política e social.
“A tarifa zero tende a ser mais inclusiva, mas cria um vínculo de dependência com o poder público. Já a tarifa única exige uma parcela de responsabilidade do usuário e pode funcionar como uma forma de compensar os maiores custos de deslocamento de quem vive em regiões mais afastadas”, explica Getúlio.
Nesse contexto, as cidades históricas de Ouro Preto e Mariana adotaram medidas diferentes para viabilizar o transporte público às populações. Ambas compartilham características comuns, como comunidades rurais, distritos afastados, alto fluxo de estudantes e trabalhadores, além da dependência crescente do transporte coletivo para acesso a serviços básicos. É justamente nessa realidade que se desenham dois modelos de política tarifária: a tarifa zero de Mariana, que isenta totalmente o passageiro do custo do deslocamento, e a tarifa única de R$ 2 em Ouro Preto, que distribui o custo entre o poder público e o usuário.
Duas cidades, dois modelos
Em Ouro Preto, a medida prevista no Decreto nº 8.908/2025, garante que o valor seja aplicado tanto para os trajetos urbanos quanto para os distritais que, antes da mudança, podiam chegar a custar até R$19,45. Com isso, deslocamentos entre a sede e outras localidades como Serra dos Cardosos, Santa Rita e Santo Antônio do Salto se tornaram mais acessíveis.
A fim de garantir transparência, o decreto determina que a concessionária apresente relatórios operacionais mensais, participe de audiências públicas trimestrais e colabore com a construção de indicadores sociais que cruzem dados de mobilidade com informações sobre saúde, educação e renda.
Segundo o secretário de governo de Ouro Preto, Yuri Assunção, a decisão foi amparada por um estudo econômico-financeiro da Prefeitura, que calculou o valor real do serviço, chamado de tarifa técnica.

Yuri Assunção afirma que o modelo foi pensado para responder às desigualdades internas do município. “A tarifa única dialoga com a realidade social de Ouro Preto. Garante acesso democrático ao transporte, reduz desigualdades entre a sede e os distritos e fomenta a economia local, ao facilitar o deslocamento para trabalho, saúde e educação.”
A vereadora Lílian França (PP) também defende o impacto social da nova política. Para ela, a iniciativa promove inclusão e reforça o pertencimento à cidade de Ouro Preto “É uma conquista histórica, especialmente para mães solo e moradores das comunidades mais afastadas. Essa medida garante o direito de ir e vir com dignidade”, acredita.
A estrutura jurídica também foi um ponto importante na viabilização do projeto. Ouro Preto tem contrato vigente com o Consórcio Rota Real, formado pelas empresas Turin e Transcotta, desde o ano de 2020. O acordo, com validade de 20 anos e valor estimado em R$433 milhões, prevê obrigações como pontualidade, conforto e qualidade no serviço prestado.
Apesar das premissas contratuais citadas acima, a realidade é diferente, especialmente em relação à cobertura nas regiões periféricas do município. Marcelo Alves, que é agente de turismo e mora no bairro de Piedade, nos contou sua experiência com o transporte público ouropretano. Há mais de uma hora esperando pelo ônibus, ele relata com indignação. “Depois de 12 horas de trabalho, o ônibus não chega até o bairro. Tenho que descer num lugar e subir um morro imenso. Isso é uma sacanagem com o pessoal daqui.”
No caso marianense, a prefeitura implementou o sistema Tarifa Zero em fevereiro de 2022, tornando o transporte gratuito aos usuários. A proposta, aprovada pela Câmara Municipal e regulamentada pelas Leis nº 3.528/2021 e 3.535/2022, foi inicialmente experimental, mas acabou sendo renovada por mais quatro anos. De acordo com Juliano Duarte, atualmente, o custo mensal do programa chega a R$1,6 milhão, totalmente subsidiado pelo orçamento municipal e repassado à empresa Transcotta, atual operadora do sistema.

A gratuidade representa uma maior inclusão ao eliminar a barreira de custo no acesso ao transporte, porém tem suas complicações enquanto método de justiça social, como aponta o professor Getúlio Matos: “Dentro do ônibus tem gente que poderia pagar e tem quem não poderia. A gente pode estar financiando o deslocamento de pessoas que teriam condições de pagar pelo próprio transporte. Isso não é exatamente o que se entende por justiça social.”
Além disso, o modelo também enfrenta dificuldades estruturais e financeiras, principalmente quanto à superlotação e à pressão crescente sobre os cofres públicos.

Questionado sobre a superlotação no transporte público, o prefeito de Mariana afirma que, mesmo com a tarifa paga, é comum esse tipo de problema; e que a atual gestão está procurando mitigar essas situações. “Nós estamos investindo em novas linhas e novos horários para atender a nossa população, principalmente nos horários de pico. Vou citar o exemplo do bairro Cabanas, nós temos horários de 10 em 10 minutos hoje para atender o bairro.”
Segundo a apuração do Lampião, o aumento da frota não é observado pelos usuários. Patrícia Aparecida de Oliveira, moradora do distrito de Cachoeira do Brumado, relata sua experiência com o transporte na cidade e defende a necessidade de aumentar o número de veículos. “Pontualidade tem, mas tá tendo muita superlotação, tá andando muito cheio. Eu acho que eu mudaria a questão de aumentar a frota, tem que ter mais ônibus.”
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