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Projeto leva o hip-hop para salas de aulas em Passagem de Mariana

  • Ana Rodrigues e Cecília Caetano
  • 8 de ago.
  • 7 min de leitura

Atualizado: há 12 horas

46ª edição


Ouça a notícia na íntegra:


Iniciativa do Clube Osquindô promove expressões artísticas como grafite, dança e rima para estudantes da Escola Estadual Coronel Benjamim Guimarães.


A imagem mostra um grupo grande de jovens posando para uma foto em frente a uma edificação com pintura colorida e artística na parede superior, sugerindo um espaço cultural ou educativo. Ao todo, há cerca de 25 pessoas, a maioria adolescentes e jovens adultos. Alguns estão agachados na frente, enquanto outros permanecem em pé atrás. Muitos sorriem, fazem sinais com as mãos ou posam de maneira descontraída
Integrantes do projeto se reúnem no Clube Osquindô para participarem das oficinas. | Foto: Janine Xavier

Estudantes do 6º ano do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual Coronel Benjamin Guimarães, no distrito de Passagem de Mariana, estão vivenciando experiências pedagógicas que extrapolam os limites do currículo tradicional. 


A iniciativa visa aproximar os estudantes da cultura hip-hop através de oficinas, despertando o interesse pela arte, pela coletividade e pela valorização de suas próprias histórias. Os cursos abordam os cinco pilares do hip-hop: grafite, break, MC, DJ e conhecimento. 


No 1º ano, por meio da disciplina "Projeto de Vida", prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Novo Ensino Médio, a escola desenvolve o projeto "Hip-Hop na Passagem", que utiliza o movimento como ferramenta de educação e transformação social. Já as oficinas com o 6º ano acontecem durante o horário das disciplinas de Cultura Corporal do Movimento e Educação Física.


A definição das turmas que participam do projeto partiu da direção da Escola Estadual Coronel Benjamim Guimarães. “Foi de acordo com o calendário e a disponibilidade de aulas em cada turma”, afirmou o coordenador Mateus Morais.


No caso específico do 6º ano, a escolha foi motivada pelo fato de ser uma turma de tempo integral, o que facilita a organização das oficinas ao longo do dia. Ainda segundo Moraes, a direção também considerou que esse período de transição entre o ensino fundamental I e o II seria oportuno para desenvolver atividades voltadas à construção da identidade e ao fortalecimento da maturidade dos estudantes.


Em uma das oficinas registradas pelos repórteres do Jornal Lampião, do projeto “Hip-Hop na Passagem”, alunos do 6º ano do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio participaram de uma atividade voltada para a reflexão sobre identidade e autoestima. 


A proposta foi transformar em desenho a mensagem “orgulho de ser você”. Antes de colocar no papel suas ideias, os estudantes participaram de rodas de conversa conduzidas pelos coordenadores Maria Fernanda Alves e Mateus Morais, que instigaram o debate com a pergunta “O que te faz sentir orgulho de si mesmo?”.


A pergunta serviu de ponto de partida para discussões profundas sobre temas como auto aceitação, padrões sociais, preconceito e experiências pessoais. As rodas de conversa revelaram lados emocionais e histórias de vida até então desconhecidas entre os próprios colegas, promovendo empatia e fortalecendo os vínculos dentro da sala de aula. 


Os desenhos criados pelos estudantes durante as oficinas serão estampados em camisetas que irão compor a apresentação da escola no desfile cívico de 7 de setembro. A proposta busca valorizar a expressão artística e dar visibilidade às vozes juvenis. 


Para a professora de Projeto de Vida, Alzinete Lopes, apesar de alguns alunos se destacarem pela extroversão, o engajamento coletivo tem sido notável. Segundo ela, “o projeto tem despertado o interesse dos estudantes e sido bem recebido em sala de aula”.


 Diversas folhas de papel branco estão espalhadas sobre a mesa. Em cada uma, há desenhos feitos a lápis ou caneta pelos estudantes. Entre as ilustrações, é possível ver flores, um cavalo, um sol estilizado e escritos com palavras como “Família”, “Orgulho” e “Liberdade”.
O projeto possibilita que os alunos se expressem através da arte. | Foto: Ana Rodrigues

A iniciativa 


Criado em 2024, o projeto nasceu a partir de uma demanda identificada pelos coordenadores Maria Fernanda Alves e Mateus Morais durante uma ação do Novembro Negro realizada pela Osquindoteca. A atividade serviu como laboratório para o que viria a se tornar o “Hip-Hop na Passagem”.


Desde então, as oficinas passaram a integrar a rotina de alunos da Escola Estadual Coronel Benjamin Guimarães, com encontros realizados tanto na escola quanto na sede da Osquindoteca, também localizada no distrito de Passagem de Mariana. “Nós elaboramos oficinas com foco em alguns produtos e outras voltadas ao desenvolvimento. E aí varia: às vezes vamos até a escola, outras vezes os alunos descem até a Osquindoteca”, explica Maria Fernanda.


De acordo com Giselle Alves, coordenadora do Osquindô, o projeto está sendo realizado com cerca de 15 alunos do sexto ano do tempo integral e 35 alunos do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual Benjamim Guimarães. 


Para Ana Luiza Alves e Clarice Rodrigues, alunas do 1º ano do ensino médio, o projeto “Hip-Hop na Passagem” representou uma mudança positiva na forma de se relacionarem com a escola. Fãs do rap nacional e internacional e já iniciadas na arte do grafite, os estudantes relatam que as oficinas trouxeram mais ânimo para participar das atividades escolares e ampliaram seus conhecimentos sobre a cultura hip-hop.


“Às vezes, as pessoas acham que grafite é pichação ou que hip-hop é só coisa de favela. Mas não é isso. Muita gente famosa se expressa com grafite. A gente entende melhor o que é arte e o que é ilegal”, afirma Ana Luiza.


A imagem mostra de perto as mãos de uma criança escrevendo em um caderno de folhas pautadas, com um lápis grafite. Ela veste uma camiseta vermelha. Sobre a carteira escolar, há também um livro com uma fita verde e um chaveiro com moedas presas. Ao fundo, outras carteiras escolares com materiais sobre elas compõem o cenário da sala de aula.
Ao vivenciarem experiências fora da rotina tradicional de ensino, muitos passaram a enxergar possibilidades de se qualificarem nas áreas que mais despertam seu interesse. | Foto: Ana Rodrigues

Além do aprofundamento cultural, a proposta pedagógica também tem gerado reflexões e fortalecido os vínculos entre os colegas. “Hoje, a gente estava falando sobre autoestima e eu descobri que um amigo nosso tem crises de autoestima. Eu nunca imaginaria, porque ele sempre parece tão confiante. Então, o projeto muda a forma como a gente enxerga o outro”, conta Clarice.


Gabriel Otávio, 15 anos, aluno do 1º ano do ensino médio, relata que o envolvimento com o projeto “Hip-Hop na Passagem” provocou mudanças significativas em sua trajetória escolar e pessoal. Inicialmente sem planos para ingressar no ensino superior, o estudante passou a se interessar por arte e audiovisual a partir de sua participação nas oficinas.


“Graças ao projeto, eu comecei a tirar fotos para postar no Instagram do grupo, fiquei responsável por isso. E acabei me familiarizando com a área, comecei a gostar de verdade. Passei a pensar mais em faculdade, em estudar mais, buscar conhecimento. Tenho refletido muito sobre o que quero para o meu futuro. Quero fazer jornalismo ou cinema, até comprei uma câmera”, conta.


Gabriel integra o BG, grupo criado durante as atividades do projeto formado por jovens da comunidade, que produzem conteúdo artístico e audiovisual nas redes sociais. A sigla faz referência à própria escola — Coronel Benjamin Guimarães — e reforça o vínculo entre os estudantes e o território onde vivem.


A professora Alzinete Lopes destaca que o projeto tem contribuído para que os alunos se identifiquem mais consigo mesmos. “Trabalhar essa cultura mais localizada tem ajudado a fortalecer o sentimento de pertencimento à comunidade”, afirma.


Educação, pertencimento e permanência


Segundo Fabrício Bicalho, secretário de Educação de Mariana, os índices de evasão escolar no distrito de Passagem de Mariana têm se mantido controlados, com tendência de queda nos últimos períodos. Ele atribui esse resultado ao trabalho conjunto entre a escola, a Secretaria de Educação e a comunidade, focado na valorização do vínculo dos estudantes com o ambiente escolar. 


Bicalho afirma que o projeto “promove o sentimento de pertencimento, dá voz aos jovens e contribui diretamente para o aumento do interesse e da permanência na escola”. Ele ressalta que iniciativas como essa funcionam como políticas efetivas de permanência escolar ao reconhecerem a identidade dos estudantes, fortalecerem vínculos e ressignificarem o espaço escolar como lugar de expressão, escuta e construção coletiva.


O secretário também destaca que essas ações tornam o currículo mais atrativo, dinâmico e conectado às vivências dos alunos, ampliando o engajamento e a aprendizagem. “Essa parceria tem sido essencial para desenvolver ações mais assertivas e alinhadas às realidades locais”, conclui.


Carla Nunes, pesquisadora do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ressalta o papel fundamental do hip-hop como estrutura de resistência no ambiente educacional. Segundo ela, o movimento se insere nesse espaço ao oferecer uma linguagem que favorece o reconhecimento do estudante, permitindo que ele acesse sua própria realidade e se expresse, especialmente em regiões onde essa vivência é predominante.


Em contextos periféricos, Carla destaca que linguagens como o hip-hop são ainda mais importantes para criar conexões com os estudantes. “Quando a escola está inserida em um território periférico, essas linguagens se tornam fundamentais para criar uma ponte com o estudante e não uma barreira. Se adotamos uma abordagem excessivamente formal, corremos o risco de afastá-los do processo de aprendizagem”, alerta.


Para Giselle Alves, coordenadora do Clube Osquindô, o conhecimento deve estar aliado ao engajamento e ao afeto. “O conhecimento é capaz de transformar e colocar esses jovens em movimento, despertando neles o desejo de buscar mais, de entender, de criticar e de fazer parte do mundo, seja no seu território, seja na sua escola”, afirma.


Perspectiva de futuro 


Para o coordenador Mateus Morais, um dos impactos mais significativos do projeto tem sido o despertar de sonhos antes considerados distantes para muitos jovens. “O que chega até mim é que eles começaram a entender que o ambiente artístico também é um espaço para se expressar, gerar renda e melhorar as condições materiais deles e de suas famílias”, relata.


Pessoa com cabelos cacheados presos e vestindo jaqueta branca e bege escreve em um quadro branco com a frase: “Orgulho de ser você”. Abaixo, outras palavras aparecem em vermelho, como: “Não ter medo de se expressar”, “autoestima”, “ser bonito”, “protagonismo da minha própria história”.
Além de promover habilidades que podem se transformar em profissão, os encontros também abrem diálogo para temas essenciais, como o racismo e o machismo, fortalecendo o senso crítico e a consciência social. | Foto: Ana Rodrigues

Moraes observa que, para jovens que vivem à margem da sociedade, a ideia de ascensão social por meio da arte muitas vezes parece inacessível. “Mas eles começaram a compreender esse espaço e a verbalizar seus sonhos: ‘Ah, então demorou, eu vou virar jornalista, quero fazer documentário sobre determinado tema’; ‘Vou ser diretor artístico de videoclipe’; ‘Vou observar como as artistas se comportam para melhorar minha autoestima no dia a dia’. Tudo isso também é ser hip hop”, destaca.


Mais do que a projeção de carreiras específicas, Mateus destaca o surgimento de uma nova forma dos jovens se perceberem no mundo. “Os meninos têm o sonho de estar bem com a própria imagem, com o próprio corpo. Isso é algo que eles verbalizam para a gente. E acredito que o ponto principal é esse: entender que eles podem sonhar através da arte, que podem ser alguma coisa neste campo, um MC, um dançarino, alguém que se expressa com o corpo de forma poderosa. A gente vê isso neles”, afirma.


Para Maria Fernanda Alves, também coordenadora do projeto, a transformação promovida vai além do âmbito individual. “Acredito que o projeto muda muito a forma como a gente vê as coisas e percebe que temos possibilidades, independentemente do lugar onde estamos. Às vezes, por questões de classe, raça ou gênero, é difícil enxergar essas oportunidades, mas elas existem”, conclui.


A imagem mostra um grupo de crianças e um professor adulto, reunidos em uma biblioteca. Ao todo, são dez crianças, umas estão agachadas e outras em pé, todas usando uniforme escolar cinza com detalhes vermelhos. Cada criança segura uma folha com seu nome ou apelido grafado em letras coloridas e estilosas, remetendo à estética do grafite. Ao fundo, o ambiente é decorado com quadros coloridos, uma lousa preta e paredes em tons verdes e tijolos aparentes. O professor, em pé à direita, veste uma camiseta preta e sorri levemente.
Além das oficinas em salas de aula, os alunos também fazem esse intercâmbio entre o Clube e a escola. | Foto: Janine Xavier

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