top of page

Recomendamos | Álbum“Eletrocardiograma” afirma o empoderamento e a autenticidade feminina

  • Alice Pereira
  • há 4 dias
  • 6 min de leitura

Atualizado: há 3 dias

46ª edição


Ouça o recomendados na íntegra:


No dia 6 de agosto, é comemorado o Dia do Rap Nacional. As mulheres protagonizam esse espaço e tornam-se porta-vozes de realidades e vivências


O Dia do Rap Nacional é uma forma de reconhecer e celebrar a resistência de um dos pilares do movimento hip-hop que pauta questões políticas, raciais, sociais e de gênero. Comemorado no dia 6 de agosto, a data foi constituída pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em 2008, e aprovada pela Lei n°13.201. 


Mais do que celebrar o gênero, a data também é importante para lembrarmos dos artistas que lutam para que o rap siga desempenhando um papel fundamental na sociedade, valorizando a cultura e a identidade sobretudo das periferias.


Apesar do rap ser majoritariamente dominado por homens, as mulheres sempre estiveram presentes na cena. No Brasil, algumas das pioneiras são Sharylaine, Rúbia, Negra Li e Dina Di, artistas que conseguiram construir um legado e se tornaram referência para as próximas gerações. Suas letras retratam diversos temas, entre eles o machismo, com o intuito de alertar e representar a realidade de muitas mulheres. 


Atualmente, o rap feminino está em ascensão, com músicas cheias de identidade e letras convincentes. Algumas das mulheres que compõem esse cenário são: Duquesa, Ajuliacosta, Ebony, MC Luanna, Drik Barbosa, Tasha e Tracie, e muitas outras. Mesclam diversos gêneros musicais - como rap, funk, R&B - e abordam o empoderamento feminino, autoestima e questões sociais e de gênero. 


Flora Matos também é um exemplo do rap feminino e se destaca por não se restringir a um único estilo. Desde os seus 22 anos, a artista continua com sua carreira consolidada atualmente, fazendo sucesso no TikTok com alguns de seus hits como Preta de Quebrada e Piloto


Além disso, o álbum “Eletrocardiograma”, lançado em 2017, da artista brasiliense, segue sendo um clássico do rap nacional. Composto por 12 faixas, o álbum é uma produção atemporal que fala sobre relacionamentos amorosos, empoderamento feminino, autoestima e a busca pelo autoconhecimento. Com mais de 3 milhões de visualizações no YouTube, as narrativas presentes persistem, principalmente, no cotidiano feminino. 


PTV: Na imagem é possível ver um show em um palco iluminado com luzes brancas e coloridas. No centro, uma cantora de camiseta larga azul segura o microfone e canta, enquanto um DJ toca atrás dela, em uma mesa de som. No telão, ao fundo, aparece a palavra “FLORA” escrita em letras grandes. Na parte de baixo da foto, o público acompanha a apresentação.
Show de lançamento do álbum “Flora de Controle”, da artista Flora Matos, em São Paulo, no ano de 2023. Foto por: Alice Pereira.

Nascida em Brasília, Flora Matos é rapper, compositora, cantora e produtora musical. Lançou seu primeiro EP “Flora Matos vs Stereodubs” em 2009. Deu uma pausa de 8 anos até o lançamento do álbum “Eletrocardiograma”, realizado de forma independente e lançado no dia 7 de setembro de 2017, dia da Independência. Em suas produções, é possível perceber o flow único que a cantora possui, não se restringindo a somente um gênero musical, mas contemplando uma mistura de diversos outros - como o reggae, R&B, soul - o que faz com que seus trabalhos tenham uma forma autoral, criando-se, assim, uma identidade autêntica.


Yaz Paulino, jornalista e criadora de conteúdo com foco em música, diz que “Eletrocardiograma” é onde finalmente Flora conseguiu imprimir sua estética, tanto do seu flow, como também da sua forma de rimar e pensar a música, além de provar ser uma grande letrista. 


Em relação à influência que a artista possui no cenário do rap feminino, Yaz acredita que Flora se destaca por ter se lançado de maneira independente e ter continuado com essa postura. “Conseguiu construir uma carreira musical que não foi instantânea e ainda possui presença na cena”, completa a jornalista. Ela também acrescenta que Flora é uma grande referência tanto como compositora, quanto como artista que se posiciona em defesa de uma validação das mc's.


A artista Flora Matos, segundo a jornalista, possui um gosto muito apurado, além das referências simbólicas que a cantora possui, uma delas Renato Matos, seu pai e músico baiano. Referente às músicas de Flora, Yaz declara: “A artista compõe músicas envolventes que se tornam hits". Também destaca o excelente jogo de palavras que a cantora manifesta e o poder de rimar sobre qualquer coisa e qualquer assunto, não tendo receio de experimentar. Revela, assim, um senso estético muito apurado.


“Eletrocardiograma” é o álbum de maior sucesso de Flora Matos, considerando o número de visualizações que chega a 3 milhões no Youtube. A narrativa construída nas faixas do álbum dá indícios de um processo de cura de um relacionamento em que havia dependência emocional. Mesmo com um sentimento de coração partido, a cantora consegue explorar o término de uma relação como um alívio, assim como aborda a busca pelo autoconhecimento.


PTV: Sobre um fundo branco, aparece uma linha de eletrocardiograma em rosa que forma picos e curvas. Dentro da linha, é possível ver o recorte da imagem de uma boca feminina e uma mão com unhas pintadas de branco. Abaixo, em letras espaçadas, está escrito “ELETROCARDIOGRAMA”.
Capa do álbum “Eletrocardiograma”, lançado em 2017. Foto por: Mariana Bernardo

De acordo com Yaz, Flora aposta na simplicidade da estética do álbum. “A capa do álbum traduz a linha de um de um eletrocardiograma. E as batidas do som, principalmente do rap, são muito relacionadas às batidas do coração, como uma marca rítmica. Então eu acho que somado isso ao tom romântico do álbum, tudo tem uma sinergia muito interessante”, relata a jornalista.


As primeiras faixas do disco sugerem um relacionamento à flor da pele, evidenciando sentimentos de paixão e de dependência daquela pessoa com quem se está relacionando. Mais adiante, a personagem revela dúvidas sobre quem é a pessoa que está se tornando diante desse vínculo, trazendo incertezas sobre o sentimento amoroso. 


Mesmo assim, as canções dão a entender a existência de uma conexão contundente com a outra pessoa: “Eu não fui programada pra jogar seu jogo, mas to contando as horas pra te ver de novo”, verso observado na terceira faixa do álbum, Parando as Horas, em que se contempla a determinação em continuar o amor com o parceiro.


A faixa seguinte continua narrando como o amor se multiplica com o passar do tempo, mas que às vezes não existe reciprocidade e reconhecimento por parte da outra pessoa. Já em O Jeito, a canção manifesta um amor pleno e seguro na sua forma mais pura, em que cada um tem sua individualidade e liberdade. 


Neste álbum, de acordo com a socióloga Mariana Thimoteo - em entrevista concedida a mim - a cantora entrega, de forma tão íntima como num diário, todos os dilemas vivenciados em relações seguidamente frustradas, e aproxima sua experiência às de muitas mulheres que possuem histórias parecidas para contar, em jornadas de recaídas, encontros e desencontros. “A compositora encerra uma página de sua história e tem uma nova definição de amor: aquele que não morre, mas se transforma através de suas ações.”


As faixas 10:45 e Sonhos Gangsta revelam uma pessoa diferente da que iniciou a narrativa, construindo uma outra identidade, em que são feitos planos individuais, apesar das dores de um desamor ainda presente. A partir disso, a personagem é a única protagonista de sua vida, priorizando suas próprias metas e sua vida profissional, narrando assim, a construção do autoconhecimento de uma mulher empoderada. 


Como faz é o acústico do álbum que, assim como no começo, ainda revela o amor e o cotidiano da conexão amorosa. A última faixa do álbum, Preta de Quebrada, volta para a temática final da produção, em que se é construído um amor próprio e independente, em que uma mulher machucada já não pertence mais a um relacionamento que não agrega em nada na vida dela. 

A música termina com pensamentos da monja budista Márcia Bajja. 


“Nós vamos nos responsabilizar pela nossa felicidade de forma autônoma.

Nos conhecendo. E como seres maduros, adultos, a gente vai dar liberdade para as pessoas serem o que elas são e o que elas podem ser.

Isso é amor”


PTV: Uma mulher  em um estúdio de gravação, usando um moletom branco com capuz e óculos brancos grandes. Ela possui tranças longas com detalhes coloridos. Com uma das mãos segura um microfone e com a outra toca um teclado. À frente, há uma mesa com equipamentos de som, botões e fios.
Flora Matos no clipe “Preta de Quebrada”, uma das faixas do álbum “Eletrocardiograma”. Reprodução: Facebook.

O amor e o feminismo retratados no álbum “Eletrocardiograma” se encontram em diversos pontos de convergência com a escritora e socióloga bell hooks, especialmente no livro “Tudo sobre amor” (1999). Mariana descreve que a teoria principal de bell hooks afirma que o amor não é apenas um sentimento e não se basta por ele, trazendo a necessidade de sua demonstração através de ações concretas, baseadas em escolhas e não por conveniência. 


Ao analisar as letras do álbum, a socióloga diz: “Flora descreve claramente que passou por esse processo de reafirmação de sua identidade e autoestima a partir do momento que notou que as palavras e as ações expressadas por seu parceiro não condizem com as práticas de alguém que ama.”


Assim, a socióloga compreende que o sistema patriarcal e a busca por status vinculados ao relacionamento, conforme discutido por bell hooks, não apenas aceleram o fracasso das relações românticas dentro do sistema capitalista, mas também evidenciam que a transformação dessa realidade depende da escolha de ações que determinará valores fundamentais de um relacionamento, como a responsabilidade e a consciência.


Flora Matos é uma artista que inventa e se reinventa diversas vezes, apostando em caminhos novos e sem medo de arriscar. Seu jeito único de abordar temas importantes em suas letras faz com que suas músicas sejam reconhecidas e se destaquem, fazendo com que sua carreira continue fortalecida no cenário do rap feminino. 




Comentários


bottom of page