Recomendamos | Conheça o álbum “Assaltos e Batidas”, um dos melhores lançamentos do ano
- Brenda Azevedo
- 14 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de ago.
46ª edição
Ouça o recomendados na íntegra:
Em menos de 30 minutos, FBC resgata o rap como arma de combate, denúncia e mobilização.
“Assaltos e Batidas” é, possivelmente, um dos lançamentos mais contundentes de 2025. Lançado em 6 de junho, com produção de Coyote Beatz, Pepito, Nathan Morais e DJ Cost, o disco marca o retorno de FBC à linguagem mais clássica do rap. Em pouco menos de 30 minutos, FBC constrói um universo sonoro denso e provocador, onde a arte se alia à denúncia, à consciência e à coletividade. Como o próprio artista define, trata-se de um álbum de “bate cabeça”, não só pelo peso das batidas de boom bap sujo (e aqui, “sujo” é elogio), mas também pelas pancadas que suas letras provocam na escuta.
FBC, ou Fabrício Soares Teixeira - ou Padrim, como é comumente chamado - é nascido e criado no bairro Asteca, em Santa Luzia (região metropolitana de Belo Horizonte) e hoje vive na favela Cabana do Pai Tomás, na zona oeste de Belo Horizonte, território no qual molda a estética e a ética do álbum de forma literal e simbólico. Pai de três filhos e dono de uma trajetória marcada por colaborações com nomes como Djonga, Don L, Mac Júlia e BK, transitando entre o underground e os palcos maiores sem perder o vínculo com sua base.

O artista já havia mostrado sua versatilidade após flertar com diversos gêneros musicais em seus álbuns anteriores, como Baile (2021) e O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta (2023), mas com este lançamento FBC retoma o tom mais cru e político de sua estreia em S.C.A (2018). É como se voltasse às origens, mas com ainda mais maturidade estética e convicção ideológica. Em Assaltos e Batidas ele retoma com força total a linguagem do rap de protesto, com lirismo afiado e beats sujos, no melhor sentido possível.
Para a comunicadora e idealizadora do projeto “Tinindo Trincando”, Amanna Brito, FBC faz uma releitura das ideias de Karl Marx “sob o olhar de alguém que tá no Cabana, em Minas Gerais”, o que potencializa o caráter revolucionário da obra. “O maior diferencial desse álbum é trazer a questão do comunismo mesmo, do socialismo, a partir da perspectiva de Marx. Só que é a partir de um olhar de alguém que veio de uma favela do Brasil”, destaca.
“Esse disco é uma convocatória. Um chamamento revolucionário a partir da revolta periférica”. É o que acredita o professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Cláudio Coração, que pesquisa as relações entre música popular, audiovisual e jornalismo cultural.

A capa, repleta de referências, já entrega muito: nela, é possível identificar o Minimanual do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighella; o livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano; o filme Rede de Intrigas, de Sidney Lumet; entre outras referências que reverberam diretamente no conteúdo das faixas. As 11 faixas inéditas do álbum constroem um universo sonoro denso e provocador, onde a arte se alia à denúncia, à consciência e à coletividade. É um mergulho no rap dos anos 1990, com colagens de Racionais MC’s, Facção Central e BaianaSystem.
“Desde o título, Assaltos e Batidas, o disco carrega um duplo, triplo sentido. Ele fala de coisas muito imediatas. Há um sentido de urgência que atravessa tudo”, analisa o professor Coração. “O FBC retoma o hip hop mesmo, não só como estilo musical, mas como linguagem combativa.”
Essa urgência e identificação também se revelam nas ruas e vielas onde a juventude periférica se vê retratada. Amanna Brito reforça: “O que mais mobiliza esse público das periferias é trazer pontos-chave da vida dessas pessoas… é quando o FBC fala da forma como o trabalho te aliena… da forma como só os ricos que continuam enriquecendo…”. Ela acredita que os jovens, que já são pessoas mais ativas, ao ouvirem letras que convocam à união e à revolução, tendem a se reconhecer no discurso. “FBC era esse cara trabalhador também, que já vendeu água no sinal e que hoje é um artista reconhecido nacionalmente”.

O projeto se desdobra ainda em um curta-metragem homônimo, dirigido por Renan 1RG e com produção executiva de Yasmin Lírios. Nele, acompanhamos Magrão, jovem negro e favelado seduzido pelo crime e confrontado pela militância, em uma narrativa que reflete a lógica excludente do sistema. FBC deixa claro: este é um trabalho pensado para o coletivo, que transcende a música e ecoa como um chamado à ação.
“O curta reforça as apostas estéticas do álbum. Ele compõe uma paisagem periférica e traz esse sentido de urgência visualmente. É como se o disco e o curta dissessem: algo precisa mudar agora”, observa Coração. “Ao tratar de uma periferia muito específica, ele acaba refletindo tantas outras. Periferia é periferia em qualquer lugar.”
Nesse sentido, Amanna acredita que o álbum também furou a bolha. “Existem muitas fake news sobre o comunismo, sobre o socialismo… Mas quando aparece um artista de rap que eles gostam e que fala assim: ‘gente, é isso aqui, a gente tem que fazer revolução, a gente tem que lutar pelos nossos direitos’, ‘a gente tem que receber o justo pelo nosso trabalho’(...)”, explica a comunicadora popular e reitera “Quando vem um rapper falar isso, ele consegue atingir outras pessoas, porque só na internet as pessoas não conseguem entender muito bem.” Para ela, “a música rompe essas barreiras porque ela está ali no ambiente, no lazer daquela pessoa, nas festas, nos shows… e o FBC tem trabalhado isso muito bem, trazendo teorias muito importantes pra música”.
A obra aborda temas como violência policial, exploração do trabalho, consumo e invisibilidade social. O discurso é firme, mas não panfletário: ele parte da vivência para criar identificação, afeto e incômodo.
Faixas como “A Voz da Revolução” e “Você pra Mim É Lucro” são verdadeiros hinos de consciência de classe. Em “Quem Sabe Onde Está Jimmy Hoffa?”, FBC costura passado e presente ao evocar o sindicalista desaparecido nos anos 1970 como símbolo da luta trabalhista.
Como afirma o professor da UFOP, o FBC retoma o hip hop como forma de assumir esse tom de urgência. Para Coração, o álbum é mais que uma produção artística. “Assaltos e Batidas é uma convocatória. Uma revolta periférica que se transforma em proposta de revolução”.
A faixa “A Cosmologia Corporativista do Senhor Arthur Jansen” encerra o álbum com uma colagem de trechos do filme Rede de Intrigas, ampliando o discurso contra o sistema capitalista e a alienação midiática.
FBC nos convida a uma escuta ativa e crítica em um álbum que não fala apenas da dor, mas da consciência. Que carrega em si o impulso de levantar, lutar e pensar o Brasil por outras perspectivas. “Acredito que a nossa arte é a nossa impressão do mundo, e Assaltos e Batidas é a minha impressão do mundo”, disse FBC em entrevista à Noize. Se você espera um disco para dançar, talvez se frustre. Mas se procura uma obra para refletir, sentir e bater a cabeça, Assaltos e Batidas é para você.









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