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Zona de Auto Salvamento: o que está em jogo em áreas de risco

  • Laura Gorino
  • 16 de jul.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 20 de ago.

46ª edição


Ouça a matéria na íntegra:


Você já ouviu falar em Zona de Auto Salvamento (ZAS)? O nome pode parecer técnico, mas para quem vive próximo a uma barragem, esse termo significa viver em uma área onde, em caso de rompimento, não há tempo para ser socorrido pelas autoridades. É preciso se salvar sozinho.


Essa é a realidade de muitos moradores do distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, localizado abaixo da barragem Doutor, da mineradora Vale. A ZAS foi instituída no dia 1º de abril de 2020, quando o risco de rompimento da barragem chegou ao patamar 2 de uma escala em que o patamar 3 indica o máximo de perigo.


A Barragem Doutor está em operação desde o ano 2000 e, desde então, já foi alvo de diversas preocupações relacionadas à segurança. Com 75 metros de altura e capacidade para armazenar até 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos, ela foi originalmente construída como uma barragem de linha de centro, mas passou por uma reclassificação e hoje é considerada uma barragem do tipo a montante — estrutura semelhante à das barragens que se romperam em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A barragem não recebe novos rejeitos há mais de um ano, mas segue sob monitoramento contínuo.


É mostrada uma casa de cor amarela com duas portas em proximidade. Uma delas está com o vidro quebrado e a outra tem um adesivo escrito “interditado” pela prefeitura de Ouro Preto. O restante da parede está descascando e a parte de baixo de uma das portas está amassada.
A realidade das casas dentro da ZAS de Antônio Pereira seguem um padrão de abandono. | Foto: Instituto Guaicuy/Ellen Barros

Em contextos como este, são instaladas sirenes, rotas de fuga e placas de sinalização, além da realização de exercícios simulados de evacuação. Nestes simulados o plano de ação de emergência (PAE) da barragem, que inclui a comunicação, rotas de fuga e pontos de encontro é colocado em prática em busca de reduzir o impacto de uma situação real de rompimento.


Após os desastres-crime em Mariana e Brumadinho, a barragem Doutor entrou em atenção por causa de sua proximidade com áreas habitadas. Parte da população de Antônio Pereira passou a viver dentro da ZAS e, por precaução, boa parte das famílias foi, inclusive, removida de suas casas.


Segundo Ronald Guerra, coordenador geral da Assessoria Técnica Independente (ATI) de Antônio Pereira e vice-presidente do Instituto Guaicuy, o processo de definição da ZAS foi marcado por inseguranças e falhas no diálogo com a comunidade:“A definição da ZAS e a remoção das famílias desse território não são inclusivas, por mais que tenham manifestações ou esclarecimentos por parte da mineradora. Existem muitas dúvidas até sobre o próprio processo de definição, que teve várias alterações e isso ampliou muito mais a insegurança. O medo do rompimento é presente no cotidiano dos moradores, e essa é a maior violação que elas passam ali.”


Ronald também aponta que há uma grande deficiência nos esclarecimentos prestados pela empresa e pelas autoridades: “Há falta de diálogo real com a comunidade. A assessoria técnica atua justamente para trazer participação informada e orientação adequada, para que as pessoas atingidas possam entender melhor esse processo e saber dos seus direitos e das violações que enfrentam.”


A ZAS é determinada por lei federal desde dezembro de 2017, com base na norma nº 13.334 da Agência Nacional de Mineração (ANM), que trata do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).


A ZAS deve ser implantada obrigatoriamente sempre que uma barragem for classificada como de "alto risco" ou com "dano potencial associado alto", segundo critérios da ANM. Isso pode acontecer em diferentes situações, como com a avaliação técnica que identifique risco estrutural, revisão de segurança após acidentes, atualização de parâmetros de estabilidade e a exigência de órgãos fiscalizadores,como o Ministério Público ou a Defesa Civil.


Após a definição da ZAS, a empresa responsável pela barragem deve mapear a área exata da ZAS (normalmente em até 10 km abaixo da barragem), instalar sirenes que tocam automaticamente em caso de rompimento, criar rotas seguras de evacuação sinalizadas e de fácil acesso, realizar simulados regulares com os moradores, oferecer informação clara e acessível à população e remover preventivamente pessoas em áreas críticas, se necessário.


Apesar dessas exigências legais, Ronald Guerra alerta para os impactos duradouros que ainda persistem no território: “Basta caminhar pelo distrito para observar o abandono na Zona de Auto Salvamento. As moradias de onde famílias foram removidas estão deterioradas, muitas vezes sem manutenção. Esses espaços são usados para descarte irregular de lixo, o que traz riscos à saúde e à segurança da população. É um abandono civilizatório.”


Ele também critica a forma como a reparação vem sendo conduzida: “Os acordos são, muitas vezes, individuais, feitos em sigilo. A empresa insiste em dizer que está fazendo a reparação de danos que nem sequer foram mensurados, já que o cadastro e a matriz de danos não foram concluídos. É um processo marcado pela falta de informação e pela priorização do interesse econômico da empresa sobre os direitos das pessoas atingidas.”


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