Carta ao Leitor | O jornalismo como uma forma de reparação
- Maria Gimenez
- 27 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de ago.
46ª edição
Ouça a Carta ao Leitor na íntegra:
O projeto extensionista no jornalismo atua como luta e projeta a reparação justa para aqueles que viram a lama de perto.

Queridos leitores,
A extensão no jornalismo é uma ferramenta poderosa e importante. É por meio dela que a universidade integra e relaciona conhecimentos e realidades que não fazem parte apenas do ambiente acadêmico. Assim, é possível que a faculdade se torne um espaço de identificação coletiva com o que é abordado dentro do contexto universitário, como também um palco para exaltar debates necessários dentro da sociedade.
É pelo jornalismo extensionista que podemos projetar um futuro pautado na reparação justa dos que sofreram - e sofrem - com a invasão da lama em suas casas e vidas. Durante o projeto de extensão do Jornal Laboratório Lampião, dedicamo-nos a abordar pautas que impactam as comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu, Ponte do Gama, Camargos e outros distritos que foram afetados pelo rompimento da Barragem de Fundão em novembro de 2015, ou são prejudicados até hoje pelas atividades das mineradoras Samarco, Vale e BHP.
Quando pensamos em universidade, imaginamos um espaço livre onde os debates e posicionamentos acontecem sobre diferentes temas. Mas, na Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP - a pressão da mineração é sentida na condução de determinadas discussões. Como exemplo disso, podemos citar o ato de censura que ocorreu na 22ª Semana de Estudos da Escola de Minas, entre os dias 3 e 7 de fevereiro de 2025, evento patrocinado por mineradoras como Samarco e Gerdau. Entre as orientações enviadas por e-mail aos participantes do evento “Mesa Redonda: Diversidade, Inclusão e Dignidade Humana”, foi recomendado não falar sobre o que eles chamaram de “acidentes dos rompimentos das barragens das mineradoras”. Como forma de protesto, o Motim - grupo de resistência formado por alunos do curso de Artes Cênicas da UFOP - se organizou para uma intervenção no último dia do evento. Entretanto, após alterações no horário e localização, o encontro não foi realizado.
Em vista de ocorrências como essas, o jornalismo de extensão que nós produzimos se torna essencial para questionar a atuação de mineradoras na região e entender os efeitos disso na comunidade. Não é difícil encontrar mais casos em que a mineração tentou exercer soberania sobre uma população que lida com tentativas de controle há muito tempo. Como exemplo, podemos citar a cobertura feita pelo Lampião sobre a aprovação da expansão do complexo minerário da Samarco, projeto que prevê a criação de duas novas pilhas de rejeito e uma correia transportadora próximas a Camargos e ao reassentamento de Bento Rodrigues. Nessa produção, mostramos o medo que esse empreendimento minerário desperta em comunidades atravessadas pela lama há quase 10 anos e que, ainda hoje, não conseguiram encontrar paz no seu território.
Ainda bem que não são apenas as mineradoras que são insistentes, nós também somos! Insistimos em mostrar como a cultura de Paracatu origem ainda resiste por meio do cultivo de quintais no reassentamento. Hoje, as hortas não fornecem apenas alimentos, mas também memórias. Abordamos a importância da conexão com a terra para a comunidade que, antes do desastre-crime, tinha a agricultura familiar como sua principal forma de consumo. No território onde foram reassentadas, as pessoas atingidas precisam buscar novas fontes de sustento, pois uma das únicas formas de alimentação é o mercado, onde tudo é mais caro em relação a quando consumiam o que produziam. Insistimos em buscar abrigo no santuário que resistiu à lama, a capela Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues. Após o rompimento da barragem de Fundão, que destruiu 207 das 252 edificações que existiam no distrito, entre as construções que permaneceram está a capela, que hoje encontra-se em situação de restauro, mas que nunca deixou de ser um símbolo de resistência e fé.
Essa é a forma como resistimos, é assim que a insistência do jornalismo de extensão se manifesta. Estamos presentes quando exploramos as lutas e damos visibilidade para quem precisa ser ouvido, assim como quando falamos sobre a prorrogação do prazo de adesão ao Programa Indenizatório Definitivo. Mostramos que o PID, promovido pela Samarco e previsto como uma das ações de reparação no Novo Acordo de Mariana - homologado em 6 de novembro de 2024 - limitava as pessoas atingidas à indenização de R$35 mil, desde que elas abrissem mão de seus direitos jurídicos e da possibilidade de ganhar uma quantia maior em outros processos, como o de Londres contra a BHP, uma das responsáveis pelo desastre-crime.
O Jornal Laboratório Lampião segue acreditando na reparação justa e, por isso, resistimos e continuamos. Acreditamos que construir uma relação próxima com a comunidade torna os debates acadêmicos mais pessoais e a ligação entre o que é pautado e a realidade do cotidiano fora da universidade, mais estreita. Diante disso, compreender os efeitos da mineração na sociedade e ampliar as vozes das pessoas atingidas é fundamental, pensando na produção do jornalismo de extensão. Assim, o Jornal Laboratório Lampião reforça o seu compromisso em ser um espaço de diálogo, resistência e construção coletiva, contribuindo para que a reparação justa deixe de ser apenas um sonho e se torne realidade.
Parabéns por não desistirem! Excelente posicionamento.