Reassentados de Paracatu cultivam quintais e mantêm vínculo com a terra
- Luíza Gabriela Castro e Pamela Lima
- 18 de jun.
- 3 min de leitura
Ouça a notícia na íntegra:
O plantio em quintais reconstrói práticas e memórias ligadas à vida rural.

Após o desastre/crime do rompimento da Barragem de Fundão, das mineradoras Samarco, Vale e BHP, em 2015, as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo sofreram com o deslocamento forçado. Além de perderem casas e bens materiais, perderam também formas de viver, jeitos de plantar e modos de relação com a terra, um apagamento cultural que ainda impacta o cotidiano das vítimas. No reassentamento, os quintais são menores e o solo não possui a mesma fertilidade que o de origem, o que impõe novas dificuldades ao cultivo. O plantio, que fazia parte da tradição local e da economia, passou a exigir mais esforço e adaptação, a lama não levou apenas casas, mas formas de viver, plantar e se relacionar com a terra.
Hoje, os moradores lidam com a adaptação aos solos vermelhos e secos e, em muitos pontos, descritos como "só areia", como relata o Sr. José Arlindo, um dos moradores do reassentamento de Paracatu. Para o Sr. José, os espaços também estão reduzidos, e o cotidiano exige novas técnicas de plantio. Ainda assim, muitos moradores decidiram recomeçar a partir do chão. Nesta matéria, acompanhamos as histórias de Silvia Inês, Francisco e José Arlindo, que compartilharam como tem sido plantar nesse novo solo.
A ideia de visitar os quintais do reassentamento de Paracatu e conhecer de perto essas histórias surgiu após uma conversa com Luzia Queiroz, integrante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF). O encontro ocorreu durante uma reunião da CABF com a equipe do Jornal Laboratório Lampião, da UFOP, em 21 de maio de 2025. Durante o relato, Luzia compartilhou os desafios enfrentados para cultivar no novo solo e mencionou que seu sogro havia plantado um pé de laranja no reassentamento, mesmo sem saber se um dia iria colher daquela árvore. A partir desse relato, o Lampião foi a campo para conhecer de perto as condições do solo e ouvir de outros moradores como tem sido a experiência de plantar no reassentamento.
Silvia Inês planta alface, pimenta, alecrim, maracujá, amora, chuchu, laranja... e sorri ao ver que a goiaba "já tá pegando". Antes de chegar ao reassentamento, passou cerca de oito anos em situação provisória, entre hotel e casas alugadas, aguardando a entrega da nova moradia. "Eu plantava em potezinho, em balde... ou não tinha nada. Tudo era comprado e era mais difícil", conta. Foram anos sem quintal, sem espaço para o hábito que aprendeu com a mãe. Foi só no reassentamento que ela pôde voltar a cultivar.
Francisco acorda cedo. Antes das 7h, já tratou das galinhas, regou as plantas e passou pelo quintal para observar como anda o crescimento. "Todo dia eu venho aqui e jogo água. Algumas já dá pra colher: abóbora, couve, carambola...", diz. Além de plantar, ele compartilha. "Os meninos da Cecília, passam e pegam." Cecília é sua esposa.
Para José Arlindo, as diferenças em relação ao antigo território são claras. "Lá dava pêssego, jabuticaba, tudo. Não precisava comprar. Agora precisa ir até Mariana pra comprar fruta." Enquanto aguarda um lote maior como medida de reparação, ele mantém o cultivo no espaço disponível e aplica técnicas que aprendeu com os pais. "Planto até hoje do mesmo jeito."
Embora as discussões sobre reparação estejam em andamento, moradores destacam que nem tudo pode ser restituído. O vínculo com a terra e as práticas de cultivo fazem parte de um modo de vida que não se recupera apenas com medidas materiais. O que se planta hoje nos quintais é também uma tentativa de preservar essas relações, apesar das limitações do novo território.
Veja na galeria abaixo imagens que registram os quintais de Silvia Inês, Francisco e José Arlindo no reassentamento de Paracatu. Confira os detalhes do cultivo, do cuidado com a terra e da criatividade de cada morador.
Quintal da Silvia
Quintal do José Arlindo
Quintal do Francisco
Cultivar a terra é cuidar da vida. É bonito ver a resiliência do povo. A luta continua.