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Comunidades rurais atingidas por Fundão permanecem sem reparação

  • Camila Saraiva e Maria Clara Cardoso
  • 7 de nov.
  • 4 min de leitura

47º edição


Moradores da zona rural de Mariana/MG ainda convivem com a falta de acesso a serviços básicos depois do desastre-crime.


#paratodosverem: Placa verde suja de poeira e tombada ao centro da imagem, escrito "Pedras". A placa está tombada na beira da estrada, coberta por vegetação. O chão é de terra e contém algumas folhas secas e pedras.
De Mariana até Pedras, a única placa que indica o subdistrito. | Foto: Camila Saraiva

Os territórios da zona rural de Mariana, que incluem Ponte do Gama, Pedras, Camargos, Bicas, Monsenhor Horta, Borba, Campinas, Claudio Manuel e Águas Claras, continuam desamparados 10 anos depois do rompimento da barragem da Vale e BHP (Samarco). A Comissão dos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF), possui membros que representam, especificamente, a zona rural e que acusam a Renova de não atender, nessas regiões, as demandas sobre tratamento de água, acesso à saúde e educação. Em Pedras, a comunidade está sem local apropriado para o posto de saúde, escola e campo de futebol, que a lama de rejeitos de mineração passou por cima. Em Ponte do Gama, a falta de emprego fez com que a população migrasse para a zona urbana, retornando ao distrito somente em datas festivas. 


Êxodo forçado


No distrito de Ponte do Gama, a realidade de quem fica e observa os outros partirem se assemelha com a dos demais territórios. José Silvério dos Santos, conhecido como Zé Jair, tem 80 anos, é aposentado e conta que em Ponte do Gama poucos ficaram e, os que ficaram, precisam sobreviver do pouco plantio que resta. “Nós mexíamos com roça. Plantavamos milho, feijão, muito arroz, muita coisa. Mas, com isso aí da turma ir embora, acabou, não planta mais não. Hoje em dia só planta uma moitinha de capim aí no terreiro”, explica Zé Jair, que também expõe seu descontentamento com a partida dos amigos. “Nós perdemos os amigos que foram embora. Nós perdemos os trabalhos que tínhamos, foi tudo embora. Igual meus filhos, que trabalhavam por aqui, mas foram achar serviço em outro lugar. Foi acabando tudo”, afirma o morador.


Em Pedras, Vitor Lourenço, 62, que atuou como técnico do time de futebol do subdistrito, comenta sobre a saída das pessoas da região. "Um bocado do pessoal foi embora. E, como diz, acabou com a saúde e o pessoal não volta mais”, disse o ex-técnico. Reginaldo Jani dos Santos, 50 anos, motorista, também conta da sua relação com quem foi embora. “Família na roça é bom que a casa é cheia, né? Se o pai e a mãe vão embora, o que que acontece?”, diz Reginaldo.


#ParaTodosVerem: Homem negro com boné na cabeça, vestindo camisa de time e gesticulando com as mãos. No fundo uma porta marrom.
Reginaldo não nasceu em Pedras, mas adquiriu um carinho pelo subdistrito através de sua família. | Foto: Luan Aparecido do Carmo

Descaso em Pedras


O campo de Pedras era conhecido por receber times de vários distritos da região durante os seus campeonatos. “Tem um time lá de Águas Claras, que vinha jogar em Pedras. Aí a gente estava trazendo esse pessoal para aqui. Isso é a importância. Trazer aqui o pessoal do outro lugar pro nosso”, lembra Vitor. O campo era onde a população se encontrava, criava laços e tinha seus momentos de lazer. “A gente tinha um campo pra jogar futebol com a turma. Era um campo de lazer, mas fazia campeonatos”, afirma Reginaldo. O campo também movimentava o comércio local, segundo Dalva Martins Viana, de 71 anos, que costumava vender lanches nos dias de jogos. Sem o campo e sem os jogos, a vendinha de Dona Dalva também acabou.


#ParaTodosVerem: Mulher negra, vestindo um vestido estampado, brincos dourados e gesticulando com a mão.
Dona Dalva atualmente trabalha como lavradora do subdistrito. | Foto: Luan Aparecido do Carmo

O abandono da região gerou falta de empregos, o que forçou a população a buscar oportunidades em outros lugares. A Escola Municipal de Pedras deixou de funcionar e, com isso, as crianças passaram a estudar em outros distritos. Atualmente o espaço funciona como posto de saúde e local de reuniões da comunidade. 


De acordo com os moradores de Pedras, Vitor, Reginaldo e Dalva, a Renova (em liquidação) havia comprado o terreno para a construção de um novo campo de futebol para o subdistrito, considerando que o campo antigo foi destruído pelos rejeitos do rompimento da barragem da Samarco em 2015. Em 20 de outubro de 2022, a empresa discutiu a aquisição do terreno para a implementação do novo campo, com valor de investimento de R$ 600 mil e que, conforme registrado em ata do Conselho Curador da Fundação Renova, seria doado ao município de Mariana. O projeto foi aprovado unanimemente na reunião. Segundo os moradores do subdistrito, a obra ainda não aconteceu. 


Hoje, quem acessa o subdistrito percebe a ausência de espaços de lazer, e o descaso com a educação e a saúde na região. As placas de sinalização de Pedras, que deveriam estar de pé, se encontram amassadas e jogadas às margens da rodovia. 


“A gente morre mas a comunidade tem que ficar viva. A gente tem que conservar o que tinha”, diz Reginaldo Jani dos Santos. 


#ParaTodosVerem: Fotografia mostrando uma placa de sinalização verde dobrada na estrada. No fundo, há morros com vegetação.
A primeira placa que indica o subdistrito de Pedras. | Foto: Camila Saraiva

Na luta pelo território


A comunidade da área rural integra a Comissão dos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF) para denunciar o descaso com as suas demandas no processo de reparação. Maria do Carmo Silva D’Angelo, 52 anos, é integrante da CABF e se dedica à luta da zona rural. Ela conta a importância de conhecer o que a área rural pede. “Existem muitas pessoas em situação muito precária, difícil mesmo. A gente vai sabendo das necessidades das pessoas e aí damos um suporte, para conseguir lutar”, afirma. Maria relata o adoecimento psíquico na zona rural e a falta de serviço psiquiátrico para lidar com essa questão. “Tem muito tempo que psiquiatra, mesmo, a gente não tem aqui. Tem um psicólogo, mas um só, para atender do nosso lado aqui, que é Monsenhor Horta, Águas Claras, Campinas, Cláudio Manuel, Pedras e Paracatu”.


Os entrevistados em Pedras e Ponte do Gama não receberam nenhuma indenização pelos danos causados ao seu modo de viver. Maria D’Angelo, moradora de Águas Claras, recebeu o Programa de Transferência de Renda (PTR) previsto dentro do Novo Acordo do Rio Doce.


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