Produtores rurais lutam para preservar sua produção
- Luan Aparecido e Vitória Baldoíno
- 7 de nov.
- 4 min de leitura
47º edição
Além das perdas materiais, o rompimento da barragem da Samarco (Vale e BHP) mudou a forma de viver e trabalhar no campo.

Moradores atingidos da zona rural de Mariana e região denunciam que os critérios de indenização pela perda de animais, que constam no Novo Acordo do Rio Doce, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2024, não refletem a realidade do campo. Para eles, além da lentidão do processo, os valores calculados desconsideram o vínculo afetivo, a função social e as perdas reais da produção familiar.
Marino D’Angelo, produtor rural, 56 anos, morador de Paracatu de Cima, conta que, antes do desastre-crime, a sua propriedade era referência na produção de leite na região. O rebanho era resultado de anos de investimento em melhoramento genético, inseminação artificial e manejo do solo e da pastagem. Hoje, ele ainda lida com gado, mas em menor escala e sem a mesma estrutura.
“Eu tinha um trabalho consolidado. O melhor gado leiteiro da região, fazia inseminação artificial. Tinha vacas de 50 litros e uma média de 23 litros por animal, mas eu não consigo mais fazer o que eu fazia antes. Do jeito que era, não volta mais”, desabafa Marino.
A produção de leite era uma das maiores fontes de renda da região antes do rompimento da barragem da Samarco. Marino foi um dos fundadores da Associação dos Produtores de Leite de Águas Claras e Região, que administrou de 2013 a 2017. Depois do rompimento, foram consideradas atingidas aproximadamente metade das 120 famílias que faziam parte da associação.
A fragmentação das comunidades gerou impactos diretos na economia local. Muitas propriedades, como a de Marino, ficaram sem trabalhadores suficientes para cuidar da terra, dos animais ou para retomar as atividades produtivas. “Antes eu tinha quatro pessoas que me ajudavam. Hoje, não consigo ninguém”, relata o produtor rural.

A reparação dos produtores rurais está prevista no Novo Acordo Rio Doce, que define os valores de indenização com base em uma tabela unificada. Segundo Carolina Saraiva, doutora em Administração, professora na UFOP e coordenadora de projetos voltados a ações de reestruturação para pessoas atingidas pela Barragem da Samarco, existem relatos de sofrimento e fome para os animais que ficaram sob os cuidados da Renova, após o rompimento. O Lampião perguntou à assessoria da Samarco sobre os parâmetros utilizados para o cálculo das indenizações para produtores rurais e sobre os cuidados prestados a animais resgatados do desastre-crime. Em nota, a mineradora afirma que “os animais resgatados à época foram destinados às fazendas custeadas pela reparação, respeitando todos os protocolos técnicos de cuidado” e que “foram desenvolvidas diversas ações em apoio aos produtores rurais”, como “restauração de pastagens, assistência técnica e práticas de conservação”. Não houve resposta sobre os critérios utilizados na matriz de danos.
Entre 2017 a 2018 a Cáritas Brasileira ganhou o direito, através do Ministério Público de Minas Gerais, de fazer sua própria Matriz de Danos, que sistematiza os prejuízos sofridos com o crime, mensura valores e detalha variáveis de agravamento. Carolina declara que, mesmo sendo homologada pela Justiça, a Fundação Renova negou as análises realizadas pela Cáritas.
“Nunca aceitou. Nunca fez indenização, nunca pagou indenização em cima da matriz de danos dos atingidos. Não corrigiu o preço, ela ainda usava uma matriz cujo valor ficou congelado em 2016”, afirma.
A família de Zé Russo, morador de Paracatu de Cima, também tem passado por períodos de dificuldades relacionadas às produções rurais, que antes eram fonte integral da renda familiar. Eles vendiam leite, com ganhos de R$ 500 a R$ 800 por mês, e produziam carvão, com expectativa de até R$ 4.400 a cada 45 dias, em valores de 2015. Zé Russo conta que tentou retomar a criação de animais, mas os bezerros morriam e poucas vacas produziam.

Zé Russo afirma que, inicialmente, recebia silagem da Samarco para a alimentação dos animais. “Aí falaram que ia vir o dinheiro no valor da silagem, mas não chegou. Eu só precisava da silagem, eu precisava cuidar das criações.”
Além da dificuldade de retomar a produção, Zé Russo reclama de um depósito de rejeitos de minério que foi construído em um terreno vizinho à sua propriedade. Ele afirma que a obra foi realizada sem a autorização da comunidade, além de bloquear o curso natural de nascentes que serviam de suporte à produção local, comprometendo uma das principais fontes de água limpa na região. Além da irrigação de pequenas plantações e do consumo animal, a água servia também para atividades cotidianas da família.
“Terreno sem água não é nada. A riqueza do terreno é a água”, relata Zé Russo sobre as mudanças provocadas pela intervenção.
O Novo Acordo, que substitui o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), de 2024, prevê R$132 bilhões distribuídos em medidas compensatórias, ambientais e indenizatórias. Mas, para as pessoas atingidas que dependem da terra para produzir, o ressarcimento precisa se basear em critérios e valores que reflitam perdas reais.









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