Crítica | Homem com H: a natureza do bicho-homem, Ney Matogrosso
- Maria Gimenez
- 15 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de ago.
46ª edição
Ouça a crítica na íntegra:
Homem com H encontra desafios ao explorar todas as faces que habitam Ney Matogrosso, porém incorpora e transmite a liberdade com a atuação de Jesuíta Barbosa.

O filme Homem com H, de Esmir Filho, arrecadou nas salas de cinema R$ 13 milhões e levou mais de 600 mil espectadores para ver a vida de Ney Matogrosso nas grandes telas. Baseado no livro Ney Matogrosso: A biografia, de Julio Maria, o filme é uma homenagem e cumpre o seu papel ao tentar representar Ney em todas as suas esferas com uma fotografia belíssima e bem dirigida, e com a atuação de Jesuíta Barbosa, que se tornou um show à parte.
O filme surge em um momento em que há necessidade gritante de um reencontro digno da cultura brasileira com as figuras que idealizaram a sua liberdade em momentos como a ditadura. A obra de Esmir incorpora os ideais de Ney e gera identificação com o público para além do personagem. Quando nos deparamos no início do filme com a construção de quem seria Ney Matogrosso a partir da natureza, é feita uma nova conexão com essa pessoa que vai além de suas apresentações e músicas, ela mostra o que não conhecíamos por dentro. A partir dessa noção de reconstrução de um personagem que era familiar ao público e está sendo redescoberto, elementos como a música "Homem de Neandertal” e a interpretação impecável de Jesuíta Barbosa não nos deixam esquecer o que já sabíamos de Ney e o que devemos aprender. Esse ponto de vista desenvolve muito bem a questão homem-bicho atribuída às apresentações do artista e à forma como ele performa.
Por mais que a conexão inicial seja muito positiva, Homem com H sugere um formato de quadros temporais para dar seguimento à história, o que acaba perdendo a linearidade e dá a impressão de estar assistindo a quadros soltos. A relação construída no início do filme com o público se perde à medida que o conceito de homem-bicho deixa de ser explorado com a mesma profundidade. Pela falta de ligação entre os períodos de tempo, muitas vezes a linha que está sendo desenvolvida em um período da história do Ney não tem continuidade na mudança de quadro e tempo. Esses buracos temporais tornam o filme um pouco desconexo entre si e precisa ser amparado por uma boa trilha sonora para se conectar entre as obras do artista e com o período proposto. Há momentos em que isso é feito com maestria e temos a impressão de que toda grande apresentação de Ney Matogrosso acompanha um grande acontecimento para além do palco, pois as cenas de grandes shows são intercaladas com cenas mais complexas de desenvolvimento pessoal, como a coletiva de imprensa realizada com repórteres logo após a sua saída do Secos e Molhados e o seu primeiro show solo em contraponto. Mas há momentos em que a discografia de Ney não é muito bem explorada e provoca o sentimento de que as cenas e a trilha não se encaixam direito.

Um problema comum em outras produções do gênero de cinebiografia se repete aqui: a obra encontra dificuldades em explorar as diversas faces que compõem um artista tão rico como Ney Matogrosso. O filme mostra alguns momentos de sua infância e adolescência, como foi o sucesso expansivo dos Secos e Molhados, a censura da ditadura, até a consagração de sua carreira solo. Na tentativa de explorar a pluralidade de ideias, de parceiros artísticos, atividades e mudanças que vieram antes do rumo musical, o filme se perde ao não trazer profundidade suficiente e coordenar as informações de forma que elas não se relacionam diretamente. Em um contexto narrativo, o roteiro não se dá ao trabalho de contextualizar as dimensões da vida de Ney e de criar uma linha de raciocínio dentro do desenvolvimento da história. Por mais que haja destaque para acontecimentos como a aproximação com o Cazuza, o seu relacionamento com Marco de Maria e os momentos sombrios com a chegada da AIDS, a obra não traz a profundidade narrativa esperada.

Por mais que o filme tenha alguns problemas estruturais, o destaque é a atuação impecável de Jesuíta Barbosa, que incorporou e traduziu Ney Matogrosso. No geral, a atuação de todos cumpriu o seu papel, mas o olhar de Jesuíta levou o que conhecemos de Ney diretamente para a obra. A dualidade entre palco e vida pessoal foi maximizada e muito bem interpretada pela sua intensidade dosada na maneira certa.
Como o bicho-homem, Ney Matogrosso, Homem com H é muito mais do que um filme de homenagem, ele é uma celebração pela liberdade do cinema brasileiro. Ele representa um passado que precisa ser lembrado e representa a pluralidade de um personagem tão importante para a cultura nacional. Assim como disse seu pai, o Brasil inteiro repete, “Ney é um grande artista”.










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