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Mudanças climáticas trazem alerta para população em áreas de deslizamento

  • Júlia Aguiar e Letícia de Lelis
  • há 2 dias
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 11 horas

47° edição


O aquecimento global interfere nos regimes pluviométricos e ameaça setores de maior  perigo geológico


#ParaTodosVerem: A direita da imagem há uma construção branca com duas pessoas ao lado. No fundo, um morro com marcas de deslizamento.
Marcas do deslizamento de 2012, próximo à Rodoviária de Ouro Preto | Foto: Letícia de Lelis

A maior frequência de eventos climáticos extremos está relacionada à crise climática. O aquecimento global, estimulado e acelerado pela ação humana, eleva a temperatura do planeta. Neste 9 de dezembro, o Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus (C3S) diz que o ano de 2025 poderá ser o segundo mais quente da história, perdendo apenas para 2024. A pesquisa também revela que este novembro foi o terceiro mês mais quente em todo o mundo, e o triênio de 2023–2025 está a caminho de ultrapassar pela primeira vez o limite de segurança do Acordo de Paris, de 1,5°C.


O aumento das temperaturas intensifica outras dinâmicas climáticas, como o regime das chuvas. O ciclo da água se desequilibra e se torna cada vez mais intenso. Um levantamento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostra que a ocorrência de chuvas não vai parar de crescer, e uma causa direta desta previsão é o aumento da temperatura das águas do oceano Atlântico. Assim, temperaturas globais mais elevadas se relacionam com chuvas mais intensas e recorrentes.


O último Relatório do Período Chuvoso da Defesa Civil de Minas Gerais, que abrange os meses de outubro de 2024 a março de 2025, indica que esse foi o período de mais chuva dos últimos 10 anos. De acordo com a instituição, “o aumento da chuva tem influência direta no risco de deslizamentos, principalmente quando as precipitações são intensas e se repetem por vários dias seguidos”. Minas lidera o ranking de risco geológico no país, com mais de 3 mil áreas de alerta, de acordo com dados do último levantamento do Serviço Geológico do Brasil (SGB). 


Nos meses de dezembro de 2025 a fevereiro de 2026 estão previstos volumes pluviométricos acima da média na maior parte do estado, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). De acordo com a Defesa Civil, os municípios mineiros mais suscetíveis a deslizamentos e outros desastres de origem geológica estão concentrados no Sul e Sudeste de Minas, na Zona da Mata e na região metropolitana de Belo Horizonte. Esses locais se assemelham em relevo, tipo de solo, forma de ocupação das encostas e períodos de chuvas persistentes. Ouro Preto está localizada nesta região e sua população tem um histórico de medo nos períodos chuvosos.


#ParaTodosVerem: Gráfico do Inmet sobre a precipitação prevista para os meses de dezembro até fevereiro. Quanto mais verde, mais intensas as chuvas e quanto mais vermelho, menos precipitação. O norte do país (exceto Roraima) é predominante verde e verde escuro. O nordeste é predominantemente laranja e vermelho. No Centro-Oeste há áreas verdes mais intensas e mais claras. No sudeste, tirando o norte de Minas Gerais e o Espírito Santo, que são laranjas, há áreas verdes claras e escuras. O Sul brasileiro é predominantemente verde claro, tirando a parte sul do Rio Grande do Sul, que é amarelo.
Gráfico de precipitação total prevista para dezembro de 2025 a fevereiro de 2026  | Fonte: INMET

O Plano Municipal de Redução de Riscos de Ouro Preto (PMRR), feito em 2023 como uma parceria entre o Governo Federal, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, a Universidade Federal de Ouro Preto e a Universidade Federal de Viçosa, se consolidou como instrumento de planejamento para guiar o município sobre a execução de ações para a prevenção e redução de riscos de deslizamentos, queda, rolamento de blocos, inundações, entre outros. O plano indica que a cidade possui 184 áreas de risco, divididas em setores de Risco Muito Alto (159 edificações), 86 setores de Risco Alto (334 edificações) e 55 setores de Risco Médio (350 edificações). 


#ParaTodosVerem: Visão Aérea de Ouro Preto, com marcações de setores com quadrados laranjas e manchas de diferentes cores que indicam os riscos de movimentos geodinâmicos.
Mapa de setores de risco em Ouro Preto, em que as partes laranjas são de risco médio, vermelhas de risco alto, roxas de risco Muito Alto e amarelas são Áreas de Influência de Processos geodinâmicos | Fonte: Plano Municipal de Redução de Riscos de Ouro Preto

O professor de Engenharia Ambiental da UFOP, Cesar Barella, foi um dos pesquisadores responsáveis pela elaboração do PMRR. Cesar afirma que os processos geodinâmicos mais recorrentes em Ouro Preto são deslizamentos translacionais, quedas e rolamentos de blocos rochosos. De acordo com ele, a formação de áreas de risco no Brasil está intimamente relacionada ao processo histórico de ocupação desordenada do território, que é marcada pela ausência de políticas habitacionais eficazes e pela desigualdade no acesso ao solo urbano. “No caso de Ouro Preto, a ocupação de grande parte dos morros está associada ao fenômeno da mineração ocorrido no Século XVIII, posteriormente impulsionada pela industrialização local na década de 1940-50. Atualmente reflete também os efeitos da gentrificação da área central, onde o custo dos aluguéis tornou-se excessivamente elevado.”


Com um cenário futuro que indica chuvas mais intensas e recorrentes, a preocupação com esses processos também aumenta. A Lei 12.608/2012, de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), estabelece que “é dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar medidas necessárias à redução dos riscos de desastre”, mas o professor reitera que o uso desta medida ainda é incipiente na maior parte dos municípios do país. “Acredito que a questão central que nós devemos nos perguntar é: Será que estamos preparados para o que está por vir? Na minha opinião, não”. Ele alerta que o fortalecimento da cultura de prevenção destes desastres depende da aproximação entre poder público e comunidade, do acesso à informação qualificada e do engajamento coletivo na redução de riscos. 


O PMRR foi utilizado pela Prefeitura de Ouro Preto para a produção do Plano de Contingência (Plancon) de 2025/2026, que faz o monitoramento dos setores de risco e orienta a Defesa Civil municipal nas situações de crise na cidade, entre elas, os desastres em decorrência dos processos geodinâmicos. São realizados simulados com as secretarias, o corpo de bombeiros, a polícia militar e a guarda civil, com supervisão e direcionamento da Secretaria de Segurança e Trânsito. 


A população em situação de risco em Ouro Preto


#ParaTodosVerem: À esquerda da imagem, uma terra cercada por arame e madeiras. Ao fundo da imagem, há morros com vegetação verde, casas e um carro. Em primeiro plano à direita, poste com placa de trânsito de sentido proibido.
O Morro da Forca se encontra cercado desde o deslizamento em 2022 | Foto: Júlia Aguiar

Em 2021, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) realizou um relatório da população em áreas de risco em Ouro Preto. Na pesquisa, foi indicado que 52% dessas pessoas eram mulheres, 19% pessoas idosas, e, dentre a população alfabetizada (com recorte de pessoas acima de 5 anos de idade), 70% eram pretas e pardas. A renda média mensal por domicílio constatada foi de R$1.128,32. O relatório também afirma que grande parte dos domicílios se encontravam em áreas de instabilidade em questão de deslizamentos (81,81%), quedas e tombamentos (9,46%), rastejo (6,21%) e enxurradas (2,36%).


#ParaTodosVerem: Na parte de cima do infográfico, está escrito: População em área de risco de Ouro Preto. A primeira parte do gráfico fala sobre os processos geológicos, e mostra que em sua maioria são deslizamentos. Após, há uma pesquisa de gênero dessa população em áreas de risco, 52% são mulheres e 48% homens. O gráfico também mostra, com desenhos de pessoas, que 19% da população são pessoas idosas. Por fim, há um gráfico de pizza que faz um levantamento racial da população alfabetizada desta área. 50% das pessoas se identificam como pardas, 25% como brancas, 20% como negras e 3% como amarelos ou indígenas. 10% da população não é alfabetizada.
Perfil das pessoas em áreas de risco geológico em Ouro Preto | Fonte: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM)

César Raydan, 34, hoje morador de Mariana, se mudou para o centro histórico ouropretano em 2021. No início de janeiro de 2022, após uma chuva que durou mais de dois dias, ele teve que desocupar a casa. “Eu estava com minha família na minha sala em um sábado à tarde e eu senti o deslizamento de terra, que chacoalhou a minha casa. Eu consegui escutar que cedeu muito material, muita terra e pedra na casa do vizinho, que dividia a parede comigo”. Ele acionou a Defesa Civil e o corpo de bombeiros, que chegaram em sua residência rapidamente, e foi instruído a se retirar junto com sua família para que o local fosse interditado. 


Com um filho de um ano, Ceśar e sua esposa logo se mudaram para uma casa perto do Morro da Forca. Dois dias depois de concluir a mudança, o Morro deslizou. “Eu passei por essas duas experiências de medo, aflição, desespero, porque quando mudei para a segunda casa e vi que eu também não estava seguro ali, a situação ficou mais preocupante, eu fiquei um pouco desolado”, completa. A Defesa Civil analisou a segurança de todas as residências da rua da nova moradia de César, e por mais que tenham passado por um susto com os tremores do deslizamento, sua casa não precisou ser interditada. 


Mônica Silva, 53, morou por mais de 10 anos no Taquaral. Em outubro de 2020 precisou deixar sua casa após fortes chuvas que inundaram o local. Mônica relatou que sua família teve a saúde mental afetada pelos problemas com a casa, e que, se soubesse da situação de risco, não teria comprado a residência. Ela e a família adquiriram o aluguel social e o valor da indenização da casa, que foi desapropriada pela Prefeitura, assim como outras em áreas de risco. Hoje ela ainda paga o financiamento de sua nova casa, já que o valor da indenização, que ela considera injusto, não foi suficiente para o pagamento integral da moradia.


A falta de uma assistência por parte da Prefeitura para além dos bens materiais e da importância do acolhimento psicológico adequado para a comunidade foi destacada por Mônica. “Deveriam ter um olhar mais digno, respeitar as pessoas que se encontram lá, porque ninguém tá lá [na área de risco] porque quer”, completa.


Casa da Mônica em outubro de 2020, pouco antes de sair do local | Arquivo pessoal de Mônica Silva

Maria José, 59, morou no bairro por mais de 50 anos e relatou que sofre com deslizamentos desde 1979. O sentimento de medo e insegurança acompanhou sua vida desde a infância até a vida adulta. “A situação que eu vivi [no Taquaral], eu não desejo para ninguém", afirma. Maria contou que ao longo da sua vida viu familiares e vizinhos saírem de suas casas por morarem nas áreas de risco, mas que continuou em sua casa e até mesmo investiu em reformas, já que a Prefeitura não considerava que a residência estava em perigo. A casa de Maria foi construída pelos seus pais que, na época, não tinham a opção de levantar o imóvel em outro lugar.


Desde 2015, quando sua casa já apresentava sinais de rachaduras, ela procurou o Ministério Público e a Defesa Cívil em busca de ajuda. “Eu não podia ficar com a casa caindo em cima da minha cabeça e dos meus filhos. Que segurança que eu ia ter para mim e para minha família?”, disse. Sem respostas para seu problema, Maria reformou sua casa em 2017 e em janeiro de 2022, com as fortes chuvas, precisou deixar seu lar depois de movimentações de terras que geram alto risco de desabamento. Ela ficou em aluguel social por três anos até ser indenizada pela Prefeitura, por um valor que considera insuficiente. Maria, assim como seus filhos, adquiriu problemas psicológicos em razão de tudo que passou no Taquaral.


“O tempo todo que eu vivi no Taquaral, eu vivi de paliativo.” - Maria José


Estefane Malaquias, 31, é presidente da Associação de Moradores do Taquaral e não foi afetada diretamente pelos impactos das chuvas, mas diz que “enquanto um de nós estiver em risco, todos estamos”. A comunidade, segundo ela, não imaginou que os impactos das chuvas chegariam a uma proporção tão grande, mas agora seguem todos os cuidados necessários para prevenção. “Não é vida não, dias sem dormir, sem comer, sem parar em casa porque precisamos estar atentos e temos crianças e idosos que precisam do nosso apoio total”, afirmou. 


Atualmente, as áreas de alto risco do bairro já foram desocupadas, mas alguns pontos do Taquaral ainda precisam de melhorias na infraestrutura. Para isso, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, junto com a Associação de Moradores do Taquaral trabalha na requalificação urbana do bairro. As ações se integram através da Regularização Fundiária Urbana (REURB), conjunto de medidas que garante o direito à moradia digna para famílias que residem em assentamentos informais localizados em áreas urbanas. As melhorias para o bairro estão sendo pensadas com base no PMRR. A desapropriação de algumas casas do Taquaral também faz parte do REURB, e foi feita em conjunto com as famílias para que a prefeitura pudesse realizar uma obra na galeria de drenagem do bairro, onde os imóveis se encontram muito próximos. O objetivo da obra é dar mais segurança estrutural para o bairro, mas até o momento os reparos não se iniciaram.


De acordo com o Secretário de Segurança Pública de Ouro Preto, Moisés dos Santos, o município também realiza ações de prevenção. O trabalho começa nas escolas, com iniciativas que buscam formar multiplicadores capazes de reconhecer sinais de risco e disseminar informações de segurança. Além disso, a prefeitura realiza blitz educativas, nas quais são distribuídos panfletos com orientações essenciais sobre como agir em situações de emergência, reforçando a importância da preparação da população para o período chuvoso. Sobre a verba destinada para ações de reparo, através do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), o município pode solicitar recursos do Governo Federal para ações de reparo em casos de desastres. 






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