top of page

O que faz um “foca” na visita do presidente à sua cidade

  • Ryan Dias
  • 16 de jul.
  • 9 min de leitura

Atualizado: há 12 horas

46ª edição


Ouça o resumo da crônica na íntegra:


De repente, Lula visita Mariana e, também de repente, um estudante de jornalismo se vê transformado em repórter fotográfico, único representante do jornal-laboratório de seu curso a ter espaço na área reservada para a imprensa.


Cena de um evento público, com o presidente Lula, um homem de pele clara no centro, vestindo uma camisa social azul clara de manga comprida, calça jeans escura e um chapéu branco. Ele está em um palco, segurando um microfone com a mão esquerda e estendendo o braço direito para cima, com a palma da mão aberta, como se estivesse cumprimentando ou interagindo com a plateia.
A terceira visita de Lula a Mariana foi marcada pelo contraste entre a celebração do acordo firmado em 2024 e as duras críticas às mineradoras. | Foto: Ryan Dias

A maioria dos acontecimentos que atravessam a vida e a rotina de um jornalista é repentina - ossos do ofício. Em uma, até então, pacata segunda-feira, a imprensa divulga a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à cidade de Mariana, marcada para a quinta-feira daquela mesma semana. No dia seguinte, nós do Lampião começamos a correr contra o tempo (e contra as possibilidades) para tentar pelo menos um credenciamento de imprensa. As motivações são óbvias: não é todo dia que se recebe um presidente da República, ainda mais em uma cidade interiorana do porte de Mariana.


A importância de estar presente neste evento é ainda maior, considerando a temática: a apresentação dos avanços do Acordo Rio Doce, homologado em novembro de 2024. Esse acordo trata da renegociação do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em 2016 pela mineradora Samarco e suas acionistas, Vale e BHP, junto ao poder público, referente às ações de indenização e reparação dos impactos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 2015, no município de Mariana.


Mas, como a grande maioria das coisas não costuma ser fácil para nós, estudantes universitários, demos de cara com a parede. O protocolo de credenciamento da Presidência não permitia o cadastro de estagiários - quiçá de meros estudantes, alunos de uma disciplina laboratorial e, mais que isso, experimental. Eu, particularmente, já havia aceitado a derrota. Pelo menos estava um pouco feliz: na quinta-feira, dia da visita de Lula, poderia dormir até um pouco mais tarde. A empresa onde trabalho fica localizada na Rua Direita que, por conta da comitiva presidencial, estaria fechada. E o meu expediente começaria apenas a partir das 14h.


O derrotismo e a pequena satisfação de não precisar acordar tão cedo duraram pouco. Graças à boa rede de contatos do professor Pedro Lavigne, um dos orientadores desta disciplina, fui credenciado como repórter fotográfico. De forma milagrosa - ou talvez pouco ortodoxa - mas fui credenciado.


O estudante de jornalismo Ryan Dias, um homem de pele negra, cabelo e barba escura e crespa, vestindo uma camisa preta. Segura na altura do peito um crachá de imprensa. O crachá tem a inscrição "Imprensa" e "Presidência da República", e indica "Viagem à Cidade de Mariana - MG".
Apesar da apreensão, consegui acessar a área de imprensa. | Foto: Ryan Dias

Na quinta-feira, 12 de junho - em pleno Dia dos Namorados -, a cidade de Mariana recebia a visita do presidente Lula. Munido de uma câmera com lente teleobjetiva, pesando cerca de cinco quilos, cara limpa e muito, mas muito, medo, fui encarar a entrada dos credenciados, esperando ser barrado. O segurança, de primeira, não encontrou meu nome, o que foi o início de um pânico que durou menos de meio minuto. Olhando com mais atenção para uma lista feita à mão, achou meu nome e liberou o acesso.


No local reservado aos profissionais da imprensa, a cerca de dez metros do palco montado, reencontrei rostos já conhecidos: amigos da Rádio e da TV UFOP, além de colegas da imprensa local. E também vi rostos igualmente familiares, mas não dos bastidores, e sim das telas da TV. Em meio a tantos repórteres com suas câmeras enormes, mochilinks e microfones com canoplas, tive um encontro especial comigo mesmo, em uma perspectiva de futuro profissional. Tudo isso enquanto tentava fingir normalidade. Aquela era uma das minhas primeiras experiências cobrindo um evento político e, por isso, havia muita expectativa misturada à esperança e a uma ansiedade boa de que, com o tempo, momentos como esse se tornassem comuns, parte da minha rotina.


A imagem mostra dois homens em um palco:  à esquerda,o presidente Lula, usando chapéu e camisa azul clara, e à direita, o prefeito Juliano Duarte, de terno azul, falando em um púlpito com microfone. Atrás deles, um telão exibe paisagem com rio e montanhas.
Mesmo sob vaias, o prefeito de Mariana fez pedidos públicos ao presidente, como a inserção da cidade no programa “Minha Casa Minha Vida. | Foto: Ryan Dias

Surpreendentemente, o evento começou no horário previsto. O presidente Lula e a primeira-dama, Janja, foram ovacionados. Os ministros também foram recebidos com aplausos - mais ou menos entusiasmados, a depender do nome. Já o prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), foi fortemente vaiado, contando, inclusive, com a intervenção do presidente Lula para conseguir concluir seu discurso de abertura. 


Com o evento iniciado e entendendo como se daria a dinâmica do palco montado na Praça da Sé, me deparei com um problema grave: apesar de estar com um bom equipamento e a área de imprensa estar bem localizada, a estrutura era muito baixa, e como havia uma área reservada para convidados logo em frente, estava muito complexo fotografar bem, especialmente quando o público se agitava. Apesar de ter 1,84m de altura, não era páreo para a multidão de mãos e celulares colocados ao alto. 


Não sabendo do que mais tinha medo - me machucar ou passar vexame -, subi em uma cadeira, sob o olhar divertido dos meus colegas. Eu não poderia perder a oportunidade de ter fotos minimamente dignas desse momento. Afinal, não dá pra saber - ou prever - quando estaria novamente de frente para uma comitiva presidencial.


De todas as reações do público presente, uma se destacou: a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), foi aplaudida e reverenciada em todas as vezes em que foi citada, independentemente de quem estivesse com a palavra. Quando ocupou o parlatório, foi recebida com fortes aplausos e um coro com seu nome. Precisou, inclusive, pedir a cooperação do público para que pudesse, enfim, iniciar seu discurso. 


Acredito que essas reações são reflexo de uma ausência que, aos olhos do público, foi finalmente sanada: o desmonte dos órgãos de fiscalização e controle ambiental.  Iniciado no governo Michel Temer (MDB) e agravado durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o desdém com a pauta ambientalista  contrasta fortemente com a presença de Marina Silva neste terceiro mandato de Lula.


A imagem exibe a ministra Marina Silva, mulher negra de meia-idade, com cabelos presos e vestindo uma camisa marrom de mangas compridas, em um púlpito de acrílico. Ela está com o braço direito levantado e o punho cerrado, discursando. Ao fundo, um grande telão mostra uma paisagem aérea de um vale com um rio serpenteando e uma área urbana.
Marina Silva destaca a importância dos órgãos de preservação ambiental, como o Ibama e o ICMbio. | Foto: Ryan Dias

Enfim, o país volta a contar com a chefia do ministério comprometida com os interesses socioambientais, o que justifica o alívio e a comemoração das pessoas atingidas pelo desastre-crime e dos militantes da causa. Em seu discurso, a ministra Marina Silva fez duras críticas às mineradoras, ao comentar a proposta inicial do acordo de reparação. “O acordo que estava sendo feito é um acordo de lesa-pátria, de lesa-humanidade. Porque não atendia aos interesses da população de Mariana e, muito menos, dava condições de fazer a reparação do que pode ser reparado”, afirmou a ministra.


Durante todo o evento, os discursos das autoridades seguiram um tom semelhante. A ideia central - evidenciada especialmente nas falas do advogado-geral da União, Jorge Messias, e do secretário-geral da Presidência, Márcio Macedo (PT) - era a celebração do acordo firmado em 2024. Em consonância com a fala da ministra Marina, destacava-se a crítica à proposta inicial, considerada insuficiente, apresentada pela mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP. Também foram ressaltados os esforços do governo federal para estabelecer um acordo de reparação com valores mais justos e factíveis.


Um dos discursos que mais contou com a interação do público presente foi o do ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT). Ele enalteceu o Sistema Único de Saúde (SUS) e celebrou o novo acordo, afirmando que “sai a [Fundação] Renova e entra o SUS, para cuidar da saúde do povo de Minas Gerais e dos 48 municípios da bacia do Rio Doce.” Na ocasião, Padilha também anunciou a construção do Hospital Universitário da UFOP, que será instalado no município de Mariana e que atenderá toda a região.


A imagem mostra cinco homens no palco de um evento, todos sorrindo. O presidente Lula, ao centro, com chapéu branco e camisa clara, segura um documento aberto. Os outros quatro, em trajes sociais, estão ao redor dele, observando o documento. No fundo, um telão exibe uma paisagem.
Da esquerda para direita: o prefeito de Mariana, Juliano Duarte, o presidente em exercício da Ebserh, Daniel Beltrammi, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha e o reitor da UFOP, Luciano Campos. | Foto: Ryan Dias

Na plateia, era possível ver os rostos conhecidos dos colegas ufopianos, que vibraram quando o reitor Luciano Campos foi chamado para assinar o termo de intenções, junto ao prefeito, ao presidente e ao ministro. Foi um marco na história da nossa universidade que, pela primeira vez em seus 55 anos, tem um reitor vinculado a uma unidade acadêmica fora do campus Morro do Cruzeiro. Confesso que vibrei junto, apesar da tentativa de manter a compostura.


Particularmente, me emocionou bastante a fala de Mauro Marcos da Silva, representante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF). Em um breve discurso, ele relembrou a dor causada pela destruição do rompimento. “Infelizmente, a minha história foi soterrada, em uma fração de segundos, por 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração” lamentou ele. Mas, apesar do crime, Mauro foi enfático ao lembrar que “ainda existe vida em Paracatu, em Bento Rodrigues e ao longo da bacia do Rio Doce.”


Mauro da Silva, um homem negro vestido com uma camisa social de cor clara e um blazer cinza, fala em um púlpito de acrílico com microfone, em frente a um telão que exibe uma paisagem.
Dirigindo-se ao presidente, em um dos momentos mais emblemáticos do evento, Mauro afirmou: “Quem tem fome, presidente, tem pressa. E há nove anos, sete meses e sete dias, estamos com fome e com sede de justiça.” | Foto: Ryan Dias

Em um tom diferente do utilizado pelas autoridades, Mauro afirmou que o acordo não é o fim, mas o começo de novos desafios, como a implementação dos programas previstos no acordo e a dissolução da Fundação Renova. O PID, Programa de Indenização Definitiva, é definido por ele como um “Programa de Ilusão Definitiva”, insuficiente para reparar os danos sofridos por quem foi diretamente atingido pelo rompimento.


Encerrando o evento, após cerca de 2h20min de espera, finalmente discursou o presidente Lula, que iniciou seu pronunciamento aos marianenses com um gesto singelo: entregou algumas flores, retiradas da decoração do evento, à primeira-dama Janja Lula da Silva, em alusão ao Dia dos Namorados, comemorado naquele dia.


O presidente Lula, usando chapéu e uma mulher, a primeira-dama Janja, se beijam em um palco, com uma grande tela ao fundo exibindo uma paisagem.
Em pleno dia dos namorados, um pequeno gesto de romantismo do presidente da República. | Foto: Ryan Dias

Em seguida, pediu desculpas pela longa duração do evento e pelo horário avançado, próximo às 13h. Lula disse que, apesar dos dados e informações sobre as obrigações assumidas pelo Governo Federal terem sido explanados durante o encontro, eram muito técnicas e pouco compreensíveis para a população em geral. O presidente garantiu que a Presidência fará um grande esforço de comunicação para explicar, de forma mais simples, o que será feito pela União com os recursos provenientes do acordo.


Mantendo o clima de celebração pelo acordo, Lula fez uma alegoria, relacionando a luta dos movimentos de atingidos à sua própria trajetória como sindicalista nos anos 80 e 90. “Nunca consegui tudo o que queria, mas conseguia tudo aquilo que era possível, no limite da minha força”, afirmou o presidente. Porém, elevando o tom do discurso para a indignação, Lula fez duras críticas às mineradoras, especialmente à Vale e à sua diretoria anterior. Segundo ele, se a Vale fosse uma pessoa, estaria condenada às “profundezas de sei-lá-o-quê”, uma referência à mitologia do inferno.


O presidente Lula, um homem de chapéu claro e camisaEm seu discurso, o presidente critica o acordo inicial, costurado pelas mineradoras nos governos Temer e Bolsonaro. azul fala ao microfone em um púlpito de acrílico. Ao fundo, um telão mostra uma paisagem montanhosa
Em seu discurso, o presidente critica o acordo inicial, costurado pelas mineradoras nos governos Temer e Bolsonaro. | Foto: Ryan Dias

Lula garantiu que a atual diretoria da Vale está em diálogo com o governo e com os movimentos, e que eles têm plena consciência de que “a Vale é do Brasil e não é o Brasil que é dela.” Nesse sentido, afirmou torcer pela retomada do crescimento da atividade mineradora, mas ressaltou a importância de que a relação entre as empresas e a sociedade seja pautada pelo respeito e pela civilidade.


O presidente Lula, homem de chapéu branco e outro homem, Mauro da Silva, se abraçam no palco.
O presidente Lula abraça Mauro da Silva, representante da CABF. O ato representa um afago para cada um dos atingidos pelo desastre-crime. | Foto: Ryan Dias

Em um carinhoso aceno a Mauro da Silva, representante da CABF, Lula expressou o desejo de retornar a Mariana com mais tempo para visitar os territórios atingidos pelo rompimento e verificar in loco a aplicação dos recursos previstos no acordo. Fazendo referência à história da família de Mauro, que perdeu o pai antes da conclusão da casa no reassentamento, o presidente afirmou que o legado paterno continua vivo em Mauro e será preservado para sempre. 

Finalizando sua participação, o presidente Lula comentou alguns dos novos programas do Governo Federal, como o “Luz do Povo”, o aumento da faixa de isenção do imposto de renda e a criação de uma linha de crédito para reformas. Além disso, indicou a possibilidade de candidatura a um quarto mandato.

E assim, a passagem da equipe do presidente Lula por Mariana se encerra do mesmo jeito repentino que começou e a vida volta aos seus contornos costumeiros. Foi interessante ver, a menos de dez metros, as pessoas que influenciam os rumos da política nacional, aquelas mesmas que eu estava acostumado a ver de longe, apenas pelos noticiários.


Passadas quase 3 horas de discursos, minhas pernas e pés latejavam de dor, resultado de tanto tempo em cima de uma cadeira bamba. Mas apesar das dores e do cansaço, estava feliz. Me senti adulto, profissional. Foi nesse dia que o aluno de jornalismo teve certeza que estava no “caminho certo”.


Como alguém que mora na região há 3 anos, foi positivo, apesar da consciência de que o acordo do Rio Doce é insuficiente, saber que o atual governo não está de costas para o que aconteceu nessas terras há quase dez anos. É ter a certeza de que o rompimento não foi o fim. São sentimentos agridoces, mas é bom vislumbrar uma perspectiva de futuro para essa cidade.


Comments


bottom of page